sábado, 26 de abril de 2025

Encontro niilista

The Brown Bunny

(tragédia,
USA/JAP, 2003)
de Vincent Gallo.


por Paulo Ayres

The Brown Bunny tem um final de impacto. E não, não é por causa do boquete real que Chloë Sevigny faz em Vincent Gallo.

Uma viagem em mimese crua, na fronteira do documentário, faz do espectador um tipo de caroneiro de Gallo. The Brown Bunny é cinema de introspecção e sussurros. De propósito ou não, a captação de áudio deixa a desejar em certos momentos. Além de protagonista, Gallo é o diretor, roteirista, produtor e editor da obra, passando a sensação de condução, mas num ritmo sonolento e de cabeça longe. Bud Clay é um piloto de motocross indo de furgão de New Hampshire para a Califórnia. Do pouco que sabemos pelas lembranças e algumas indicações, ele não tira da cabeça a antiga namorada Daisy Lemon (Sevigny). Lembra um pouco o que a tragédia brasileira Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo (2009) também faria na proposta errante de filmar estradas e paradas. Esse último filme, no entanto, é um drama edificante sobre superação afetiva. E tudo estava indicando que a melancolia receosa de The Brown Bunny seria compensada com uma reconciliação, tendo como injeção de ânimo o sexo explícito, que é mais comentado que o enredo. Poderia ser uma apoteose que equilibraria a totalidade. Estranhamente, isso não ocorre. O ato é pensado mais como uma polução noturna. Se é um fantasma literal ou não, nem importa. O clima de pesadelo continua.

Drama niilista, The Brown Bunny é um filme com uma porção de encontros amorosos que não se completam. Uma guria, servidora comercial, abandona tudo e logo é abandonada. As imagens semidocumentais se perdem na debilidade isolada do “quase”. A objetividade típica da filmagem tragediesca é usada quase como um recurso onírico. Os episódios se evaporam, seja uma memória, o beijo numa desconhecida ou o lanche pago para uma prostituta. A explicação final para o trajeto depressivo sublinha que é, no fundo, uma viagem sem rumo. Uma ruminação de mágoa e culpa num círculo determinista. Nesse sentido, o que é, em síntese, The Brown Bunny? É um conjunto niilista de encontros; assim como O Lobo Atrás da Porta (2013) é um conjunto naturalista de encontros e Movie 43 (2013) é um conjunto realista de encontros.
 
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