The Passion of the Christ
(tríler,
USA, 2004)
de Mel Gibson.
por Paulo Ayres
Mel Gibson resolveu fazer um filme em aramaico, língua morta, sobre a prisão e a crucificação de Jesus, levando a passagem dos Evangelhos ao estilo de superprodução hollywoodiana. O resultado é o filme-acontecimento com aspecto polêmico, conseguindo a repercussão enorme sobre essa proposta de espetáculo catequético. Muita violência gráfica em encenação dramática e a acusação de antissemitismo foram os tópicos mais comentados no período do lançamento. No entanto, observando a obra com certo distanciamento ficcional, entre exageros e acertos, há um bom epic thriller que trabalha com uma história conhecidíssima e retratada em grande parte do mundo.
Primeiramente, é bom lembrar que há um panorama diverso no tratamento do material. O comunista Pier Paolo Pasolini fez o folhetim Il Vangelo Secondo Matteo (1964), um filme elogiado e recomendado pela Igreja Católica. Martin Scorsese, o maior cineasta vivo, é católico e fez uma versão alternativa e “herética” com The Last Temptation of Christ (1988). Gibson, por sua vez, é sincero na sua intenção artística que busca uma suposta fidelidade bíblica. Em parte, o que ele encena é a velha tradição iconográfica do Ocidente numa mimese crua, aumentando o impacto e também incrementando o relato com recursos comuns na ficção de fantasia.
O início com Jesus/Yeshua (Jim Caviezel) no sopé do Monte das Oliveiras é confuso. Fotografia azulada, tensão com soldados romanos e uma serpente. Não há apenas um clima de The Lord of the Rings (2001-2003), a simbologia abundante transborda. Logo, a luz do dia explicita a beleza trazida pelo diretor de fotografia Caleb Deschanel, inspirada, segundo alguns, nas pinturas de Caravaggio. O percurso do drama edificante, entre a condenação e a morte, é a proximidade narrativa com a Via Crucis. Aproximação dolorosa na carne rasgada e sangrando. Isso remete a uma questão audiovisual, especialmente na mimese dramática: como filmar a tortura física e outras brutalidades extremas? Dependendo da maneira, a dramatização pode exagerar, fazer ela mesma uma tortura psicológica ou fetichizar a crueldade. Ao menos, quanto à propensão sádica, The Passion of the Christ não pode ser acusado. O martírio mais famoso relatado está claramente indicando uma inspiração para a visão penitente. Há toda uma significação para esse lado. Nesse sentido, os açoitadores romanos são claramente vilões. Assim como Judas Iscariotes (Luca Lionello) é humilhado e se enforca. O maniqueísmo, como era de se esperar nesse contexto, está bem delineado. Apesar disso, surgem certos incrementos de gosto duvidoso, mas chamativos: o demônio (Rosalinda Celentano) aparenta ser uma figura andrógina. Em certa passagem, a entidade sobrenatural carrega uma bebê sinistro... Contudo, isso diz mais respeito à filiação romântica do reflexo estético. Ao lado do Jesus convencional, com pinta de galã europeu e olhos cor de mel, aparece um Barrabás (Pietro Sarubbi), caolho, gordinho e com jeito rústico.
No percurso sofrido até a ressurreição, Gibson coloca vários flashbacks. Alguns são bem bolados. Destaque para Jesus artesão inovando no design de uma mesa. Há também um belo jogo de planos, não somente pela presença de Monica Bellucci como Maria Madalena, mas pela criatividade de alguns segundos em câmera lenta com desenho na areia e uma tentativa de apedrejamento. Por outro lado, há algumas ideias que cumprem uma função monótona de conectar o texto com referências católicas, como o Santo Sudário ou Maria (Maia Morgenstern) segurando seu filho, fazendo a pose da estátua Pietà de Michelangelo.
Arte panfletária é arte edificante. Não importa se o panfleto é religioso ou político. E a sinceridade é uma qualidade no tríler, que transparece a meta de levar seu conteúdo específico. Alguns podem dizer que Gibson enfatiza demais o conflito das autoridades judaicas com Jesus, mas a parte que Pilatos (Hristo Naumov Shopov) lava as mãos está no texto. Havia uma contradição religiosa entre o judaísmo e o cristianismo nascente. Se ele exagera isso, também há o Império Romano como o agente terrível da execução.
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Lista de fantasy thriller no subgênero epic fiction:
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