quarta-feira, 27 de setembro de 2023

Armadura frágil

Gladiator 
 
(tríler,
USA, 2000)
de Ridley Scott.


 
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por Ruy Gardnier
Contracampo/2000

Como sempre no cinema de Ridley Scott, Gladiator nos oferece um universo do “belo”, nos oferece um mundo que nos seduz, no qual gostaríamos de ficar um momentinho a mais. Trata-se, como toda mídia em volta do filme faz questão de lembrar e relembrar, uma tentativa de retomada do cinema épico, de bigas, gladiadores e imperadores. Uma tentativa de ser para o épico o que Unforgiven [1992] foi para o western. Mas aí onde Clint Eastwood conseguiu fazer muito mais do que um simples western, Ridley Scott não conseguiu fazer senão o lugar-comum do épico. Aí é que reside toda a diferença do cinema de um para o de outro: ator antes de diretor, Eastwood sabe priorizar uma certa problematicidade da cena, da interpretação dos atores, e retirar daí nuanças admiráveis. Nada disso em Gladiator: tudo nos é óbvio, da foto “histórica” até a psicologia fraca e vagabunda dos personagens.

Russell Crowe é o grande general romano Maximus, que é desejado por Marco Aurélio para ser seu sucessor, em detrimento de seu filho Commodus, covarde e ganancioso ao extremo. As coisas se encadeiam de maneira lógica: o filho comete parricídio e, invejoso, manda matar não só o general como toda sua família. É claro que o general escapa; quando ele vai à procura de sua família, percebe que todos estão mortos e cai de desespero. Mais tarde, será vendido como escravo-gladiador e só assim voltará a Roma para desmascarar o imperador parricida. Pois é: trama muito comum, familiar como, em geral, a tragédia grega, apoiando-se em pontos altos bastante apelativos (assassinato do pai, família crucificada, luta pela sobrevivência, etc.) e um herói à toda prova: nada tão pernicioso assim, não fosse a risível “filosofia do cinema” que percorre o filme.

De The Matrix [1999] ao The Truman Show [1998], o cinema americano de hoje se faz de intelectual-soft para brincar com a relação mundo-real/mundo-aparente, ou seja, utilizar o cinema como metáfora privilegiada do espetáculo. O mesmo em Gladiator: não faltam frases como “I'm an entertainer” e analogias entre fazer cinema e jogar o povo aos leões. O que incomoda é que, ao contrário de um John Carpenter, esse cinema nunca leva suas analogias às últimas consequências. Prefere sempre contemporizar, dizendo que é a única opção. Tanto pior.

Estranha e peculiar posição em que o autor se coloca como entertainer, mas ao menos há um reconhecimento e não se pode dizer que Ridley Scott não é sincero. Pois seu cinema publicitário, mesmo quando bem-sucedido (Blade Runner [1982]), não consegue fugir do jogo de estereótipos tão comum da mídia dominante. Reconhecendo isso ele só admite seu processo. Mas há sempre como alguém chegar e dizer: não, eu não gosto de lutas de arena. E isso é suficiente.

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Lista de fantasy thriller no subgênero epic fiction:
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