quarta-feira, 19 de março de 2025

Vento favorável

 Jason and the Argonauts

(tríler
USA, 2000)
de Nick Willing.
 


por Paulo Ayres

É um momento de espetáculo público no reino de Colchis, Jason (Jason London) enfrenta não uma besta mitológica qualquer, mas um touro mecânico enorme que, além de lançar fogo, locomove-se com certa rigidez característica de sua composição metálica. Aliás, o desfecho dessa sequência é um tipo de domesticação metafórica da criatura como ferramenta de arar a terra. Elogio do trabalho material da era civilizatória também já havia ocorrido na própria confecção da embarcação projetada por Argos (David Calder), estabelecendo o nome dos navegantes desse mito da Antiguidade. Mas, voltando ao assunto da rigidez do touro mecânico que há em Jason and the Argonauts, ela serve como prova da delimitação sólida do gênero ficcional da obra. O contexto de encenação é decisivo. Afinal, é só comparar com o folhetim de 1963, Jason and the Argonauts, que é uma aventura sedutora mesmo havendo os efeitos visuais datados com stop motion, feitos pelo mestre da técnica Ray Harryhausen. Vejamos: nessa nova versão, estamos falando de efeitos visuais, em momentos de contemplação fantasiosa, que até podem indicar alguma economia de recursos quando comparada com outras produções, mas, ainda assim, não há o contexto satírico em que o orçamento e os efeitos retroagem de modo direto na forma, moldando certa rigidez irônica e estilizada.
 
Não, em Jason and the Argonauts, de Nick Wiling, a encenação escolhida é a de um drama e, deste modo, a sutileza e a paciência tem um peso grande nessa proposta audiovisual. Está certo que o fato de ser uma minissérie, ou telefilme condensado, favorece o esticamento narrativo, mas o epic thriller também absorve vários detalhes oriundos do estilo da própria mitologia grega, evitando, na medida do possível, que a fórmula de romantização dissolva todo os elementos fortes que o panorama abrangente tem para além de determinados lugares-comuns.
 
Parece um recurso bem simples, e é mesmo: abrir o plano com um céu cheio de nuvens para colocar Zeus (Angus Macfadyen) e Hera (Olivia Williams) como um casal interessado na viagem marítima de Jason e sua equipe. Porém, isso rende uma alternância fértil com o núcleo terrenal — destaque para quando Zeus pega um pouco d'água no mar. O contraste se dá com uma pompa visualmente religiosa e os diálogos de safadeza e ciúme. Jason and the Argonauts até se contém na nudez, mas consegue ser ousado para um drama edificante, pois a antiga fonte de mito jorra um tanto de ambiguidade. Basta ver, por exemplo, que a sequência na ilha de Lemnos oferece algo nesse sentido insinuante com a presença da rainha Hypsipyle (Natasha Henstridge) e mulheres amazonas; também, indicando a questão patriarcal, bem intensa em contextos como o da Grécia Antiga. Esse tipo de coisa aparece como um dado da cultura específica e mostra alguma variação de padrão de beleza na escolha desse Jason, salientado como jovem e esperto. Diferenciando-se do padrão musculoso de Hercules (Brian Thompson), aqui uma espécie de herói coadjuvante e braço direito do rapaz — nessa versão, Hercules é um enviado de Hera e não um inimigo da deusa.
 
Como a jornada do herói está bem dosada, a paciência estética está em realce. Aparentemente, a ilha com harpias trata-se de mais um ritual de tensão envolvendo criaturas feitas por computação gráfica — assim como o encontro com o enorme Poseidon no mar e o lagarto gigante, que vigia o velo de ouro na beira do penhasco —, contudo, mesmo as harpias tendo o perfil de horror descarado, a sequência se sobressai mais pelo banquete em si, vigiado pelos bichos. A cena posterior em que Phineus (Derek Jacobi), cego, morde uma fruta com gosto é um tipo de respiro narrativo que adaptações dramáticas como Clash of the Titans (2010) e Immortals (2011) não possuem.
 
Jason and the Argonauts forma uma boa dobradinha com The Odiyssey (1997), também minissérie ou telefilme condensado. Ambos se servem bem dos ingredientes dos mitos, embora não ultrapassem o romantismo crítico. No tríler de 2000 essa concessão à fórmula de entretenimento fica mais visível nas presenças de um rei vilão bem malvado, Pelias (Dennis Hopper), e da Medea (Jolene Blalock) preenchendo apenas um perfil de mocinha. Em outros desdobramentos, a amálgama reflete bem o contexto monárquico, patriarcal e religioso da época. Simbolicamente, o drama não atravessa as paredes de rochedo.
 
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Lista de fantasy thriller no subgênero epic fiction:
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