(comédia,
USA, 2006),
de Tim Johnson
e Karey Kirkpatrick .
por Paulo Ayres
Da Revolução Neolítica até a Revolução Industrial, a humanidade — pensada na sua forma fragmentária e heterogênea —, enfrentou inúmeras crises relacionadas à carência em expressões distintas, mas que indicavam, mais ou menos, os limites tecnológicos na criação da abundância. Com a universalização revolucionária do modo de produção capitalista algo inédito vai tomando forma: surgem as crises de superprodução e o caráter contraditório do sistema se explicita, pois grandes porções de carência, mais ou menos intensas, acompanham certa ideologia consumista, mediada principalmente por muita publicidade. Contradição essa que está bem espelhada em Over the Hedge, embora o choque é desviado para formar uma fábula familista — os animais antropomórficos, de diferentes espécies, não se veem como uma classe ou uma gangue, mas como uma família.
A cerca viva causa assombro. O espanto é maior quando os marginalizados da floresta conhecem a comunidade pequeno-burguesa do outro lado. É uma primavera incomum, pois aquele grupo encontra certo imaginário publicitário de gente feliz e com muita quinquilharia e comida ultraprocessada. No processo de furto, liderado pelo guaxinim RJ (Bruce Willis), uma nova interação com a natureza (natureza secundária) serve para a sátira animada como uma boa observação dos rituais cotidianos de convivência naquele microcosmo do condomínio, espécie de ilha da abundância, ao menos na fachada e no temor da “selva” exterior. Tanto é assim que a questão da sobrevivência surge como um espécie de abastecimento sempre deslocado, pois RJ possui uma dívida com um urso (Nick Nolte) que estava hibernando.
Verne (Garry Shandling), a tartaruga hesitante, não é simplesmente a encarnação ficcional da falta de ousadia e chatice, mas sua prudência indica a própria condição desses bichos antropomórficos de economia paleolítica de coleta. A figura dos que não conheceram o trajeto da sociedade de classes pré-industrial. Desse tipo de crítica comparativa geralmente invocam o anticapitalismo romântico mais banal e com crachá antropológico. Over the Hedge, por outro lado, é uma comédia mágica mais interessada no atrito, na ação, na mistura mesmo. Embora isso seja conduzido rumo a certa conciliação, simbolizada no contato com o gato doméstico (Omid Djalili) e indicando que a dupla vilã de humanos romperam com o bom senso e a legalidade.
Sem os traços extremamente estilizados de Madagascar (2005-), Over the Hedge é uma sátira edificante da DreamWorks em que animais e humanos parecem viver em dimensões distintas. Quando o esquilo Hammy (Steve Carell) toma o energético e antecipa a cena em slow motion de X-Men: Days of Future Past (2014), há uma amostra disso, como se a interação acontecesse em tempos diferentes.
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