por Paulo Ayres
Click faz sucesso entre os que acompanham as sátiras da produtora de Adam Sandler porque seria um caso supostamente mais nobre, mas isso não se sustenta. É apenas mais uma boa comédia lotada de caricaturas. O diferencial é que turbina o sentimentalismo em certas passagens, criando cenas emotivas que servem de suspensão da ironia para ter a função diretamente moralizadora. Isso até cria um descompasso narrativo e, assim, não se pode dizer que seja exatamente um elemento que agrega qualidade à média do que geralmente faz. Chorando ou brincando de mudar de cor, Sandler está na sua encenação típica aqui. Algo distinto de Punch-Drunk Love (2003), Spanglish (2004), The Cobbler (2014) etc. Essas são algumas obras para quem quiser ver ou rever o ator fazendo um drama de verdade — e fora da sua produtora —, embora esses exemplos citados também são ficções edificantes.
Por falar em romantização artística, Click é somente outra variação de um dos contos edificantes mais famosos da história, A Christmas Carol (1843) de Charles Dickens. Christopher Walken interpreta a entidade do além que reeducará o arquiteto ambicioso Michael Newman (Sandler). Sem se revelar como o espírito de anticapitalismo romântico que é, ele entrega um misterioso controle remoto para o protagonista. Como Michael vive com a cabeça em números, projetos, lucratividade, ele usa os poderes mágicos do aparelho para tornar sua vida cotidiana extremamente produtivista — potencializando ao extremo uma tendência que já dominava o utilitarismo da sua rotina. Entre os recursos disponíveis, há a possibilidade da revisitação de eventos passados, mas o workaholic tem como foco atingir metas, ele abusa do fast-forward, o efeito acelerador no audiovisual. “Vence na vida” enriquecendo, mas os anos se passaram como se ele estivesse em piloto automático da afetividade. Fazendo parte da trilha sonora retrô, “You Get What You Give”, do New Radicals, aponta para caminhos diversos na sociedade burguesa.
Como se revela uma comédia mágica sobre realidades alternativas, o filme de Frank Coraci possui uma gradação interessante para além da que há no corpo de Sandler sendo remodelado de várias maneiras. Nem tanto como a sensação de pesadelo; parece ser algo como uma sensação de nostalgia estranha, tal como a frase que virou meme “saudade daquilo que a gente não viveu”. É por isso que é compreensível que muitos notem que há algo distinto nesse produto. Entretanto, a estranheza reflexiva de mundo paralelo se dilui na pieguice restauradora da família. Com isso, indica, em ironia externa e involuntária, que falta controle autoral na criação artística massificada. Remoto controle.
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Lista de fantasy comedy no subgênero magical fiction: