quinta-feira, 5 de junho de 2025

Lição realista

 Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola

(comédia,
BRA, 2017)
de Fabrício Bittar.



por Paulo Ayres 

Para além de ser, mais ou menos, uma versão brasileira de Ferris Bueller's Day Off (1986), a comédia Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola coloca de maneira ampla o complexo escolar como objeto satírico. Diferente da comédia americana, a trama do filme brasileiro não se passa em apenas um dia em que se mata aula e, também, não possui o monólogo constante de Ferris quebrando a quarta parede. Até há um dos momentos de metalinguagem em que Danilo (Gentili) e o diretor do colégio Ademar Melquior (Carlos Villagrán) olham para a câmera ironicamente, mas é algo mínimo que talvez possa ser entendido como algo diegético. O outro diretor, Fabricio Bittar, comanda uma filme bem dinâmico, com planos (cinematográficos) ágeis ilustrando planos de zoação e de delinquência. A disciplina estética faz uso de legendas e rabiscos estilizados durante o desenvolvimento. Contradição equilibrada sobre a desordem, o caos comportamental planejado.
 
Nesse controle narrativo ganha vida uma obra que tende a ficar mais relevante mostrando uma tendência cada vez mais explícita: na sociedade capitalista, não é a camada que ganha mais dinheiro aquela que enfia a cara nos livros em estudos sistemáticos — aliás, há até um breve curta, no início, em preto e branco, sobre Albert Einstein. O período da proliferação de influenciadores digitais de grande sucesso, por exemplo, às vezes arranca suspiros de indignação de alguns diplomados no ensino superior. É uma velha queixa pequeno-burguesa compreensível de existir, mas que ignora essa forma de totalidade social. Em Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola, o ator mexicano Villagrán, célebre no Brasil, tem o papel de encarnar em sua figura o fetiche da educação. Sua frase neoiluminista é unilateral e dita primeiramente numa sala de professores entediados e, depois, em outras ocasiões: “uma boa escola transforma bons alunos e bons alunos transformam o mundo”. A escola modelo e o diretor engajado, no entanto, enfrentam uma rebeldia disciplinadamente indisciplinada.
 
Dois nerds do nono ano encontram uma caixa escondida com objetos e informações de transgressões colegiais e, logo, são treinados pelo autor do conteúdo anárquico. Danilo é de uma geração passada da Escola Albert Einstein e vive numa suíte presidencial no último andar de um edifício, onde o luxo, o hedonismo e o gosto pela cultura pop indicam que o recorrente termo “cabaço”, usado como sinônimo de uma personalidade não assertiva, é algo não necessariamente idêntico a ser nerd. No fim, inclusive, ambos os garotos — Pedro (Daniel Pimentel) e Bernardo (Bruno Munhoz) — estudam e passam na prova final, mas decidem por um grande ato de vandalismo com explosivos em banheiros. Um assume a responsabilidade e as consequências.

Gente que acha que ficções devem necessariamente dar lições de moral, educando cidadãos, pode achar um absurdo, pois poderia ver uma espécie de pedagogia corruptiva de menores. Essa sátira realista, contudo, cumpre seu dever de escolher um determinado complexo da sociedade e colocar uma lupa em suas contradições. Há alguma punição jurídica, como era de se esperar no ato final, porém há também personalidades mais confiantes — nesse ponto o tom pode parecer conciliatório, mas a boate restabelece a abertura. Enquanto isso, no cotidiano escolar, no lugar do diretor que fuma escondido entra um pedagogo pedófilo (Fábio Porchat). No final das contas, o estudo é valorizado como algo que expande o conhecimento e as habilidades, mas não como um poder idealista que, sozinho, transforma gradualmente o mundo inteiro. O filme reflete o complexo educacional com os pés no chão, sem o fetiche da educação.

Alguém pode ainda questionar a ênfase no bullying como uma espécie de justificação do ato, mas o filme indica — até diretamente no texto — que o espaço escolar é uma expressão da sociedade moderna e que, goste-se ou não, possui níveis de xingamentos, provocações etc. em conflitos. Além disso, no aspecto de autoconhecimento, a comédia aponta que ter consciência de suas imperfeições e fragilidades pode auxiliar no equilíbrio emocional. Ainda assim, por ser um livro (2009) de Danilo Gentili que virou filme, alguém pode indagar se seria uma defesa da liberdade de expressão irrestrita no humor, mas independente se há essa intenção ou não, como reflexo estético há uma ótima ficção. No stand up comedy, de cara limpa, necessitaria de estudos e debates específicos, pois essa performance se dá em outra categoria, outro âmbito. 

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