The Substance
Antes — e depois — de falar sobre um filme com uma proposta visceral tão saliente, é preciso prestar atenção no espaço. Isso significa que aquilo que é a base, onde todo o espetáculo ascendente e decadente se passa, tem um papel fundamental na filmagem de Coralie Fargeat tanto quanto o sex appeal e o horror corporal já indicados no trailer. The Substance começa e termina com um plano frontal para o chão. O trabalho material registra mais uma estrela hollywoodiana para a calçada da fama. O tempo passa, pessoas caminham, sujam e limpam. A própria Elisabeth Sparkle (Demi Moore), ou o que restou dela, escorre, mancha e contempla o céu da fama e seu tempo totalmente esgotado. As pessoas passam, deixam alguma marca e o sistema continua.
Pode parecer que se está fugindo do tema ou adiando tratar o que é tão orgânico e pulsante no folhetim de ficção científica, mas a cenografia, de fato, é imponente e firme, apresentando um papel tão destacado em The Substance quanto a tão comentada trama sobre o culto mercadológico da beleza e o preconceito etário. Além de um câmera que, às vezes, se aproxima de rostos angustiados e dá closes ginecológicos em mulheres de maiô, satirizando a busca pelo ângulo e o retoque fotográfico perfeitos, The Substance caminha — ironicamente com desenvoltura ou se arrastando — por salas espaçosas e corredores longos. A composição geográfica é multicolorida sinalizando um conto de fadas ou um pesadelo por seus caminhos variados, que incluem um velha porta que Elisabeth precisa se agachar para entrar.
Centro da transformação, o banheiro do apartamento de Elisabeth é de uma brancura que seleciona, no enredo, o ponto de criação orgânico-social e o revezamento de mulheres. Assim como os cartões brancos com letras grandes e pretas dando instruções básicas de como usar a substância do frasco e a transfusão na vida cotidiana. Algo que lembra placas de um programa televisivo e a linguagem publicitária. Como se vê, Fargeat entende bem como reforçar visualmente a metáfora contida na narrativa que fala de um programa de aeróbica. A sátira realista chega ao ponto de exagerar no componente gore de maquiagem mutante perturbadora, mas não se fecha na residência isolada, como poderia ocorrer numa abordagem niilista. Há um banho de sangue numa plateia e entre outras “pretty girls” do showbiz. Diferente do massacre e trauma de Carrie (1976), o esguicho vermelho e a dissolução corpórea apresenta um tom escrachado, lembrando as frases de avaliação de homens de negócios. Um breve plano fechado na boca de Harvey (Dennis Quaid) mastigando camarão, no início, já indica a voracidade da dinâmica burguesa e patriarcal em fetichizar mercadorias e coisificar seres humanos.
Resta, então, tentar entender quem é Sue (Margaret Qualley). Outra e a mesma. Uma unidade de opostas se afirma no revezamento, mas o roteiro não quis ir pelo caminho de criar uma Elisabeth jovem. Com a computação gráfica atual até seria possível a Demi Moore nas duas versões. A opção por outra mulher no papel jovem ocorre pois o tema da substituição é central no folhetim. Todos os indivíduos sociais são únicos e singulares, mas para a reprodução social se manter todos são substituíveis no desenvolvimento histórico. Obviamente que no capitalismo tardio isso também tem um significado intenso de relações coisificadas. E é essa camada particular que The Substance dá à luz pelas costas, ou seja, indo e vindo pelo corredor, mostrando os bastidores da sociedade.
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