sábado, 7 de abril de 2018

Ovos mexidos

  Ready Player One

(folhetim,
 USA, 2018),
 de Steven Spielberg.


 
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por Wellington Sari
Interlúdio/2018

Ovo oco essa festa do easter egg spielbergiana? Eis o primeiro único e definitivo filme Omelete da história do cinema, para a alegria e ódio dos avatares das sessões de comentários! Mas, olha lá, o cinema é assim mesmo, quanto mais vazio, melhor. Menos chance para os mensageiros, os lacradores, os enemeiros (cinema-enem, cheio de questões), os bobos e os alegres. A única mensagem aqui é o seguinte: não vamos derrubar o sistema, ou “acordar” (The Matrix [1999]), o negócio é virar rei do sistema e controlá-lo. É bonita essa ode à liderança: aprenda a juntar aliados e amigos, desde que seja o comandante. “Bonita” não pela moral em si, já que é compreensível que alguém possa discordar dela, mas pela harmonia em relação à substância filmada, que é o movimento, a aventura, a demonstração de poder, prerrogativas dos blockbusters. Os Star Wars da Disney são contraexemplos que demonstram como o filme de ação equilibra-se melhor quando empurrado por uma moral individualista ao invés do falso progressismo coletivista. Destituída da tarefa de ser veículo para mensagens edificantes, a figura individualista fica livre para pintar justamente a ação como parte absolutamente integrada do todo (gostosa ironia).

A impressionante sequência da corrida, primeiro desafio imposto pelo guru Hallyday, é a evidência dessa perfeita orquestração interessada apenas nas infinitas possibilidades de combinações, atritos e dinâmicas dos seus elementos, mesmo que boa parte deles, o DeLorean, o T. Rex, o Mach 5, o King Kong, a moto vermelha de Kaneda, sejam peças extra-fílmicas, estufadas de sentido próprio. O excesso e o acumulo de estímulos visuais, de sons, de movimento, de iconografias, é radical ao ponto de beirar a paródia (como essa, que brinca com a saudável obsessão de George Lucas, pincelzinho digital à mão, em refazer sua obra, pela via, quase sempre, um Phil Spector do CGI, do acréscimo), sem nunca cair no precipício pelo fato de que é possível realmente ver o que acontece na tela. Kevin Shields não é brilhante pela quantidade de pedais que usa — embora o aspecto quantitativo seja parte fundamental do jogo — e sim por agir como o escultor que não aplica uma forma à matéria bruta, mas encontra no caos uma figura já pronta, uma doce canção pop, escondida atrás da parede como a esposa do Narrador em The Black Cat [1843], de Poe. Muitas vezes, em especial nesta sequência automobilística, Ready Player One, como no fascinante Speed Racer de 2008, se parece com a capa áudio-animada de Loveless [1991], o que é sempre uma vitória. O cinema, filho bastardo de sete pais, é feito para o excesso e quanto mais se aproxima radicalmente de outras artes, mais se engrandece. O verdadeiro cinema puro é quando o cinema é mais teatral que o próprio teatro, mais videogame que os videogames. Godard se enganou: os Lumière não são os últimos impressionistas. São os primeiros!

No splash pop, na gosma de referências e nos ovos mexidos dos easter eggs que habitam o mundo criado por Spielberg, há um caminho muito claro, de desenho preciso, como o Adventure, game do Atari 2600 que é peça chave para a trama de Ready Player One. Spielberg, que claramente se identifica com Halliday, mais do que reitera a relação óbvia do personagem com tipos como Steve Jobs, é o verdadeiro guru do Oásis. Os quartos de Eliiott em E.T. [1982] e Robbie em Poltergeist [1982] já eram estudos para a criação de um mundo construído de iconografia e tralha pop (os centros das cidades de Back to the Future I [1985] e II [1989], e Gremlins [1984], já são um estudo em maior escala, agora acrescentando o product placement em meio ao easter egg, o que talvez dê no mesmo, inclusive). Assim como Halliday, Spielberg criou um conceito infalível de apropriação, já que criou um universo e, tudo o que se passa dentro dele, imediatamente é associado ao seu nome (Super 8 [2011] e aquela série que foi criada em um gerador spielbergiano). Ambicioso, agora o diretor almeja invadir e conquistar outros mundos: não seria hilário se as pessoas começassem a associar erroneamente The Shining [1980] a Spielberg? Isso não vai acontecer, é claro, mas a ideia de o diretor de Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull [2008] arrombar obra tão “unânime” e enchê-la de zumbis saídos direto das máquinas de The House of The Dead [1996] é bastante divertida.

Aguardamos uma continuação, “Ready Player Two”, produzida por Spielberg e dirigida por Zemeckis, em que em dado momento os personagens voltem no tempo e revejam incidentes do primeiro filme, a partir de um desafio cuidadosamente posicionado em Toontown, vencido em uma partida de multiplayer de GoldenEye 007 [1995] com todo mundo controlando Jaws!

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Lista de sci-fi feuilleton no subgênero techno-fiction:
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