quarta-feira, 4 de junho de 2025

Sentido da vida

Stir of Echoes

(tríler,
USA, 1999)
 de David Koepp.


 
por Paulo Ayres

A cena que encerra Stir of Echoes utiliza o dom de sensibilidade sobrenatural do garotinho Jake como uma ótima metáfora para pensarmos a vida cotidiana para além das fachadas. Ele e seus pais estão deixando, de carro, a casa onde foi o palco principal do enredo; e ele, no banco de trás, observa aquelas residências ouvindo conflitos variados como ecos na sua mente. Conflitos sempre existentes desde os mais banais até a barbárie. Um dos vizinhos (Kevin Dunn) que acobertaram um crime de feminicídio classifica aquele espaço como um bairro familiar, um bairro de gente decente. Autoimagem pequeno-burguesa que é comum existir na nossa sociedade.
 
O que é mais chamativo em Stir of Echoes é o empenho de Tom Witzky (Kevin Bacon) para superar, ainda que momentaneamente, a sua rotina de forma que, ao entender os sinais que recebe e junta o quebra-cabeça, seja algo que deixe sua vida plena de sentido. Ele é um técnico de telefonia que demonstra frustração com uma vida cotidiana monótona de anos de assalariamento e casamento. Ainda que a esposa Maggie (Kathryn Erbe) o lembre que essa vida familiar não é só a merda que ele está achando — obviamente também há o lado bom, como ela simboliza na performance de galopeira —, ainda assim, é uma sociabilidade fragmentada, competitiva e coisificada numa dinâmica que limita o desenvolvimento humano. Esse esforço de Tom para fazer algo grandioso na sua vida singular, que está passando, tem um acento na trama e deixa a fantasma camarada Samantha Kozac (Jennifer Morrison) como um recurso equilibrado no tríler sobrenatural. Ela conversa diretamente com a criança e tem uma comunicação mais codificada com o adulto. Algo que pode ser entendido, em sentido figurado, como um diálogo mais direto na camada do ser social que está em margens da média absorvida na prática de manutenção cotidiana. A babá (Liza Weil), irmã da desaparecida, estava correta em desconfiar de olhares estranhos, só errou porque foram outros dois núcleos familiares da vizinhança por trás do crime e seu acobertamento.
 
Se a direção de David Koepp não investe tanto no habitual formato de “filme de susto”, cria uma boa atmosfera imersiva com a imagem de um cinema escuro e vazio representando uma hipnose profunda. Suco concentrado, essa fantasy fiction é discreta e sintética ao indicar o ato de escavação na mente e no quintal. Aspectos psicológicos e geográficos auxiliando na história a ser montada e contada. Ironicamente, a cunhada esotérica Lisa (Illeana Douglas) somente abre uma porta da qual ela mesma demonstra não entender bem. O filme, por sua vez, não aprofunda esse recurso metafórico de modo que o subtexto se faça mais compreensível. O que impede essa projeção cinematográfica é o velho hábito do roteiro fechado em resolução redentora de drama edificante. Um “exorcismo” dramático de vivos malvados. Na sua ânsia paranoica para dar sentido a sua vida e se destacar mais, Tom se desequilibra, mas nem tropeça.
 

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