sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Drama catequético

  The Exorcism of Emily Rose

(tríler,
USA, 2005),
de Scott Derrickson.


 
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por Gilberto Silva Jr.
Contracampo/2005

Durante uma apreciação inicial, The Exorcism of Emily Rose parece insistir em uma imagem de sobriedade e frieza narrativa que frustra as expectativas de quem nele esperaria encontrar um filme de terror. Essas expectativas incluiriam, inclusive, a ideia de que o filme se espelhasse na forte referência criada pelas imagens tornadas clássicas no imaginário cinematográfico por William Friedkin em seu The Exorcist [1973]. O que o diretor Derickson vai oferecer, em especial quando encena as sequências nas quais apresenta a personagem título sofrendo sua suposta “possessão” ou sendo “exorcizada”, é uma fuga da grandiloquência e senso de espetáculo com a qual Friedkin retratava a ação demoníaca sobre a menina Regan (Linda Blair). Derickson, por outro lado, a princípio sugere pretender tratar a história de Emily com a frieza de quem apresenta um caso clínico. The Exorcism of Emily Rose logo se firma como um drama de tribunal, onde se daria mais um round do eterno embate entre razão/ciência e fé. Causa a impressão que o modelo a ser imposto estaria igualmente no padrão definido pelos filmes judiciários de Sidney Lumet, em especial The Verdict [1982], que, por sinal tem a Igreja Católica, vista ali numa imagem bem pouco simpática, como uma das partes interessadas no litígio.

Ao longo de sua projeção, no entanto, o que o filme vai fazendo, e sem a menor sutileza, é aos poucos quebrar uma ilusão inicial de frieza e tomar o partido de um dos lados no embate: a fé inabalável que moveria Emily e o padre (Tom Wilkinson), que é julgado por homicídio e omissão de socorro quando a moça vem a morrer como consequência do exorcismo mal sucedido. O filme veste-se de uma capa de suposta isenção e busca de justiça, aproveitando-se inclusive do nefasto rótulo “baseado em fatos reais”, para acima de tudo se impor como uma peça de catequese e pregação. Passando, com isso, a retratar principalmente um processo de aceitação da religiosidade por parte da advogada, a princípio agnóstica e carreirista, interpretada pela talentosa Laura Linney. Os dispositivos usados pelo filme em sua gritante parcialidade também incluem uma vilanização gratuita do promotor (Campbell Scott), que tenta demonstrar a suposta “possessão” como um caso a ser explicado e tratado pela medicina convencional. Ao final das contas, mesmo com o veredicto que o júri impõe ao padre, que fica sendo nada mais que uma mera concessão a uma justiça “em cima do muro”, sobra a imposição da visão de Emily Rose como uma mártir contemporânea.

É curiosa, mas nada surpreendente, a apreciação de The Exorcism of Emily Rose como uma peça que, mesmo trabalhando em um universo correspondente ao catolicismo, mostra-se coerente com um ideário de valorização de uma religiosidade fundamentalista protestante caracterizada pela ascensão de uma direita cristã durante o governo George W. Bush. É acima de tudo uma obra de catequese. O que não seria por si só seu grande problema. Goste-se ou não de The Passion of the Christ [2004] de Mel Gibson, este em momento nenhum esquece de deixar claras as intenções de seu filme como uma pregação. O maior pecado de Scott Derrickson e seu The Exorcism of Emily Rose está justamente em tentar disfarçar, não assumir suas verdadeiras intenções, encobrindo o filme em uma falsa ideia de busca por justiça e imparcialidade.

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