Malu
(tragédia,
BRA, 2024)
de Pedro Freire.

por Paulo Ayres
Na sátira de Tim Burton, Batman Returns (1992), os arquétipos trabalhados são simbolizados por três animais: morcego, gata e pinguim. No drama de Pedro Freire, as figuras são tipos diretos, sem rodeios, de conhecimento cotidiano generalizado: avó, mãe e filha. Elas estão numa determinada situação singular, mas essa singularidade revela a particularidade da nossa época histórica. Certos comentadores da obra, provavelmente, isolam a “disfuncionalidade” e os diagnósticos médicos e psiquiátricos, tratando como um desvio anêmico na sociabilidade. Nesse movimento, não se capta a particularidade histórica e não se nota bem a matéria social presente na tragédia. Além dos temas concretos de cuidado parental, violência doméstica e direito de herança, há uma vivacidade em Malu que equilibra os aspectos melancólico e debochado.
Livremente inspirado na vida da mãe do diretor, Malu Rocha, a personagem Malu (Yara de Novaes) é uma atriz desempregada de cinquenta anos que tem como patrimônio uma humilde residência num bairro proletário, conseguida com a renda dos tempos de espetáculo. A casa tem aspecto de “esboço”, cheia de rebocos e uma lama no quintal que possui tábuas de passarelas. Nos típicos puxadinhos de pobre estão um amigo artista (Átila Bee), com quem fuma maconha, e sua mãe, Dona Lili (Juliana Carneiro da Cunha), que traz uma imagem de gentileza e preconceito. A filha Joana (Carol Duarte) também segue a carreira de atriz e é a ponta mais nova dessa ligação familiar com amor e ressentimentos.
Freire filma a maior parte das sequências nesses poucos metros quadrados e o drama realista consegue uma alternância de acontecimentos bem ilustrativos, como órbitas de atração e repulsão.
Malu, ex-hippie e desbocada é o elo geracional ali e se recusa a aceitar o cancelamento dos planos de vida, embora pareça estar atolada no local. Fala bastante e vive repetindo os planejamentos de reformas e a criação de um empreendimento. Nas indicações de mágoas do passado, a mulher vive contando que foi internada em uma instituição psiquiátrica pela mãe por causa do estilo de vida boêmio. A idosa reservada, por sua vez, guarda seus problemas para si, mas deixa escapar que a irmã e ela eram abusadas sexualmente pelo pai na zona rural. Por mais que Joana represente uma posição mais equilibrada, a moça também revela alguma amargura em relação a criação que teve, numa discussão de mãe e filha que Freire encena na sala escura. Com o tempo, as duas pontas de gerações deixam a casa e, mesmo de dia, um aspecto de desolação aparece nos belos planos com a porta ensolarada e o quintal de “construção parada”. A fotografia do filme é de Mauro Pinheiro Jr.
Resgatando a mãe do possível determinismo geográfico e psicológico do enredo, a filha retorna como o horizonte aberto na medida do possível. Mesmo que Malu, debilitada psiquicamente, tenha lapsos de memória, está dentro de uma condução firme e consciente das tristezas e alegrias.
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