segunda-feira, 23 de junho de 2025

Receita médica

 Maria 

(tragédia,
 USA/ITA/GER, 2024)
de Pablo Larraín.
 

 
por Paulo Ayres
 
Tragédia audiovisual que não é linear e apresenta diversas composições de imagem, Maria, de Pablo Larraín, sinaliza a emergência de subir o tom das contradições, mas não sobe. A variação se dá no tempo “presente” na entrevista alucinatória em Paris, em 1977, na simulação de filmagens documentais e nas passagens com uma fotografia em preto e branco. Nessa última temporalidade, há a impressão de uma pitada a mais de ironia, pois mostra um romance insólito de Maria Callas (Angelina Jolie) e um capitalista riquíssimo que era casado com outra. Mesmo assim, nada de muito chamativo ocorre além de alguns diálogos com a figura do “cabeça branca” que é o “dono da lancha”. Há o cinismo de Aristotle Onassis (Haluk Bilginer) em indicar que é o feio que conquistou a bela, mas também há o retrato do filme sobre a sinceridade apaixonada. Aliás, o que também falta em Maria é entrar um tanto de “feiura” do mundo real na paisagem com beleza metafísica.

Ficamos sabendo através do drama que a mulher elegante viveu seus últimos tempos na capital francesa, sem parentes, contando com uma dupla de trabalhadores domésticos numa mistura de funções prestativas e afetivas. Nesse sentido, parece que o mordomo Ferruccio (Pierfrancesco Favino) e a governanta Bruna (Alba Rohrwacher) não apenas deixam a mansão impecável em organização e limpeza, como também o resto dos lugares no mundo representado.
 
Cheia de manias, toda dengosa, pero sem perder a postura fina e disparando frases feitas. Até alguns momentos de desequilíbrio emocional, com cenas de atritos e sofrimentos, tornam-se discretas na serenidade retratada. Porém, como disse a crítica de cinema Isabela Boscov, “a culpa não é da Angelina”. Por mais que ela se esforce ao dar vida cinematográfica à célebre cantora de ópera, sua entrega dramática é limitada pelo formato de cinebiografia adocicada. Ou talvez seja exatamente esse tipo de tragédia meia-boca um palco que serve de escada para a protagonista brilhar mais que a totalidade da obra. Lembrando que Nicole Kidman e Sandra Bullock ganharam estatuetas do Oscar nessa linhagem de drama edificante.
 
Em alguns dos momentos imaginários, as alucinações são como um musical que está prestes a começar, mas é interrompido. O medicamento Mandrax é ingerido por Maria e reage na sua mente como uma espécie de entrevista onírica, conduzida por um jovem com o nome do remédio (Kodi Smit-McPhee). A questão do perfeccionismo da artista e sua melancolia autobiográfica são pontos interessantes que não são aprofundados, tornando-se páginas soltas na pintura de cartão postal.
 
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