quinta-feira, 12 de junho de 2025

Ponto de parada

 The Room Next Door

(tragédia,
ESP, 2024)
de Pedro Almodóvar.



por Paulo Ayres

Dramas que refletem sobre a inevitabilidade da morte correm o risco de se contaminar com o dilema de determinada personagem moribunda e se estagnar num olhar contemplativo. Sem cair no niilismo artístico e nem no romantismo barato, Pedro Almodóvar faz seu longa mais introspectivo e discreto, mas não evita certo cinema memento mori. Tudo em The Room Next Door é feito para que a encenação tragediesca coloque a dupla de grandes atrizes num foco de retrospectiva e ensaio de despedida. Um enredo que se desenvolve a conta-gotas, mas sem passividade. Ainda que o aspecto da ação apareça num retrovisor de memórias, "La Habitación de al Lado" reflete bem a dor que uma paciente terminal, Martha (Tilda Swinton), transmite ao seu redor ao se sentir definhando com o passar dos dias.
 
Eutanásia? Suicídio? Crime perfeito? Não importa tanto a classificação desse plano específico. E se há as consequências policial e jurídica, após a morte, é para que, através da figura da grande amiga, Ingrid (Julianne Moore), surja nesse espelhamento estético também certa dificuldade do conjunto social em lidar com esse tema polêmico. Isso aí na última parte. Almodóvar se concentra naquela casa luxuosa e afastada da cidade, com arquitetura chamativa cheia de retas, abrigando uma reta final. A antecipação fúnebre não parece mero capricho de gente abastada, mas uma possibilidade aberta diante da perda de motivação para a personagem. A ex-correspondente de guerra conhece bem, de perto, o lado mais bárbaro da humanidade. Junto das dores físicas e dos efeitos colaterais do tratamento oncológico, as dores emocionais são potencializadas pelo envelhecimento natural e pelo efeito da doença. Longe do palco bélico e miserável do Terceiro Mundo, lugar de sua carreira profissional, e longe dos relacionamentos afetivo-sexuais de breve duração, resta o ombro de Ingrid. A amiga traz um tipo de pacote humanista contendo um pouco de psicoterapia informal, companhia para ver uma farsa de Buster Keaton na televisão e alguma assistência na morte assistida. Por isso, na economia de sua marca característica, Almodóvar faz uma dosagem do contraste de cores fortes, predominando a assepsia e a paisagem ensolarada — até vem a neve no fim, mas com a presença da filha de Martha, Michelle. De dura já basta a vida de cada personagem.
 
O quarto de Martha não é onde se desenvolve o drama edificante. Quando ela entra no local, a perspectiva do espectador permanece com Ingrid, sem saber quando a outra cumprirá o combinado. Nas saídas de Ingrid, duas sequências que têm alguma conexão. Primeiramente, o desabafo desanimado com o personal trainer. Depois, no encontro com Damian (John Turturro), a mulher muda de postura: diante da fala pessimista do amigo, apontando o aumento da crise climática, do liberalismo econômico e da extrema direita, ela pondera sobre se manter firme em meio aos problemas pessoais e os de escala global.
 
Um momento que remete ao melhor da criatividade de Almodóvar acontece, curiosamente, num flashback com um casal na estrada sem ligação direta com a trajetória das personagens. A passagem tem algo de inquietante sobre o homem que, aparentemente, quer salvar vidas num incêndio residencial perto da rodovia. Esse é o tipo de contradição sugestiva que faltou ocorrer na cenografia principal.  
 
= = =

Nenhum comentário:

Postar um comentário