(comédia,
USA, 2024)
de Jon M. Chu.
por Paulo Ayres
Os filmes mais recentes sobre Maleficent (2014-2019) e Cruella de Vil (2021) são exemplos de releituras de histórias colocando uma vilã bem conhecida no protagonismo. Isso, de fato, aumenta a complexidade de enredos que possuem o maniqueísmo acentuado, demonstrando que determinadas sátiras edificantes, mesmo voltadas para o público infantil ou infantojuvenil, podem ser menos unilaterais. Seguindo essa tendência e baseado na peça teatral (2003) de Stephen Schwartz e Winnie Holzman, Wicked é a experiência mais desenvolvida nessa fronteira de aprofundamento. Elphaba Thropp (Cynthia Erivo), a Bruxa Má do Oeste, tem a oportunidade de ter a sua história de vida em foco para indicar como as contradições da realidade objetiva estão além do pensamento preto no branco. No caso, o verde, que reveste uma atriz negra, traz o peso da diferença discriminada na universidade de magia. Solitária, tanto no deslocamento social quanto na falta de gente de pele de cor igual, ela se enxerga na empatia com um grupo social cada vez mais marginalizado naquele reino. Sua revolta tem justificação na trama. O que ela fará na continuação de 2025, ou melhor, o que farão com ela, é outro ponto.
Não se pode negar a ousadia de Wicked invertendo o ponto de vista. Contudo, dentro das limitações da proposta alegórica e romântica, é um momento de maior impacto, nessa primeira totalidade, o início do filme, quando uma sorridente Glinda (Ariana Grande) aparece toda fofa e cínica participando da comemoração da morte da Bruxa Má do Oeste e dizendo que a conhecia. É verdade que há também um choque narrativo com a descoberta que o Mágico de Oz (Jeff Goldblum) é um canalha sem poderes mágicos e que a honorável mestre escolar Madame Morrible (Michelle Yeoh) é que é a bruxa má, ou simplesmente “bruxa” no sentido pejorativo. Porém, essa virada, com alegoria sobre apartheid e perseguição política de um grupo social, inverte tanto a premissa original que o grande voo de Elphaba — com a canção “Defying Gravity” — se mostra como uma batalha vencida pelo lado do bem.
A metáfora utiliza os animais como vítimas de preconceito. Eles são antropomórficos em certa medida. Os corpos não são humanoides, mas possuem consciência de ser social. O professor de história Dr. Dillamond (voz de Peter Dinklage) indica uma inteligência desvalorizada e é o ponto de identificação de Elphaba. A epic comedy, nesse sentido, usa o repertório de canções como ilustrações episódicas da crescente interação entre Elphaba e Glinda, emergindo uma ruptura radical da primeira que impede algo nos moldes manjados de integração; uma estudante nerd superando barreiras e conquistando popularidade e um par amoroso, no caso Fiyero Tigelaar (Jonathan Bailey). É compreensível que seja Glinda que enxergue um caminho reluzente na maquete. A ficção fantasiosa de Jon M. Chu, por outro lado, não trilha esse caminho de tijolos dourados e isso é um grande feito desse primeiro filme. Obrigado, o próximo.
Lista de fantasy comedy no subgênero epic fiction:
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