por Paulo Ayres
Uma das coisas mais atrativas no universo Dragon Ball é uma camada de historicidade sentida, afetando as personagens, que organizam suas vidas sob o peso dos anos passados e da estruturação familiar num cotidiano “comum”. Uma rotina eventualmente interrompida pelas sucessivas forças que ameaçam a Terra. Planeta esse que é e não é o nosso. Bem, é uma realidade paralela que amalgama elementos da modernidade contemporânea, sociabilidade pré-capitalista e tecnologia futurista. Isso faz desse universo uma ficção épica de caráter interplanetário. Por outro lado, há uma camada de temporalidade circular que deixa a sensação de que, por mais incrementos e desdobramentos que haja, é um espetáculo que repõe o mesmo alterando apenas detalhes. Deste modo, reforçando essa característica, Akira Toriyama, o criador da franquia, retoma o comando nos dois longas tardios de Dragon Ball Z, abraçando a ideia de multiverso. A Terra paralela é plural em versões alternativas e os dois filmes são refeitos em versão modificada dentro da série seguinte, Dragon Ball Super (2015–2018).
Os longas são duas boas sátiras edificantes — como de costume nessa abordagem comediesca japonesa —, mas Kami to Kami (2013) se desenvolve de forma mais equilibrada, pois a face action não minimiza o subplot do aniversário da Bulma. O interessante é que o novo nível de sayajin divino é tratado sem “devoção” pelo roteiro e Goku, no fim, até desiste da luta. Fukkatsu no F, por sua vez, tem mais cara de reciclagem de sagas anteriores. Freeza é ressuscitado para se fazer uma trama de vingança que soa atrasada. A tentativa de revanche de Freeza já tinha acontecido na saga “Cell” (1991–1993) e acabou rapidamente na espada de Trunks. Aliás, depois de Cell e Majin Boo (e Bills, mais poderoso ainda), um Freeza não impressiona — mesmo na cor dourada.
O eterno retorno dessa vez não acrescenta nada. Freeza não mata o Kuririn. Diante da volta do inimigo, o palatável ar blasé — como na franquia Men in Black (1997–) frente a um perigo alienígena — está presente também, mas poderia ser mais enfático (como no longa anterior) para sublinhar, ironicamente, esta tensão repetitiva. Em vez disso, o foco esta no apuro gráfico do enorme exército de Freeza enchendo a tela e se movendo rapidamente pelos enquadramentos. Dragon Ball é um passatempo melhor nos momentos em que evidencia que ainda é uma fantasy comedy, apesar da diferença de tom para a primeira série animada (1986–1989). Ao menos, Fukkatsu no F indica que, além da circularidade e da pluralidade, a história ali tem certa banalidade para além do sundae de morango: diante da catástrofe, o tempo é revertido para ter outro destino, como no Superman (1978) de Richard Donner. Nada de mais, mas talvez se o Trunks criança participasse ideias mais interessantes surgiriam, pois a existência de universos alternativos poderia ser um tema comentado diretamente. Em suma, esse filme apenas prova que mais criativa é a série rejeitada Dragon Ball GT (1996–1997), que passou a ser uma dimensão alternativa.
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Lista de fantasy comedy no subgênero epic fiction:
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[0] Primeiro tratamento: 21/06/2015.
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