Histórias Que Nossas Babás Não Contavam
(farsa,
BRA, 1979)
de Oswaldo de Oliveira.
(comédia,
USA, 2025)
de Marc Webb.
por Paulo Ayres
Ficção épica no sentido de fantasia num reino pré-moderno, Schneewittchen (1812) é um dos contos mais famosos compilados pelos Irmãos Grimm. É um daqueles pratos cheios para as interpretações religiosas, antropológicas e psicanalíticas. No âmbito da estética materialista, é interessante notar Branca de Neve como uma forma de arte edificante que se ramificou em diferentes versões e, mesmo tendo um ponto estabilizado com os Grimm, as variações continuam. Um núcleo de continuidade se mantém, mas as descontinuidades podem aprofundar ou suavizar a prosa original. Entre diferentes versões em diferentes meios artísticos, o filme clássico da Disney, Snow White and the Seven Dwarfs (1937), consegue, certamente, um segundo ponto de estabilização referencial no desenvolvimento, devido a sua repercussão. A sátira animada faz parte do grupo de obras pioneiras na história do cinema, mas limitadas em certa medida pelo conteúdo suavizado. As sombras dos anões marchando em fila, que encantou plateias pelo mundo, não impede a dose cavalar de infantilização ficcional; embora seja parte de uma totalidade de grande conquista iconográfica. As adaptações e as referências ao conto, depois do filme famoso, possuem uma base de imagem para, mais ou menos, reproduzir — quando há muita diferença visual é uma exceção.
A própria Disney entrou na onda de fazer versões em live-action de contos de fadas que o estúdio colaborou para disseminar. Snow White, a comédia de Marc Webb, contudo, torna-se apenas o equivalente em transposição da comédia de 1937. Qualidade técnica para a apreciação sensorial de olhos e ouvidos, mas em patamar pueril.
Algumas décadas atrás, no Brasil se fez uma obra icônica do movimento internacional do Exploitation Cinema. Histórias que Nossas Babás não Contavam é uma farsa que alcançou sucesso nacional como mercadoria de apelação erótica. O enredo se apresenta como o livrinho sendo aberto para a narração audiovisual, porém, em vez da versão mais conhecida, emerge um conjunto de piadas pesadas. Se a aparência latina de Rachel Zegler chama a atenção, num primeiro momento, para uma personagem chamada Snow White, tempos atrás, Adele Fátima se apresentava como uma subversão irônica desde o cartaz do filme brasileiro. Na comédia americana recente, a explicação para nome é simples: uma referência à tempestade de neve do dia do parto. Na versão farsesca dirigida por Oswaldo de Oliveira, Clara das Neves é filha de uma rainha africana. A estadunidense com raiz colombiana encena uma versão so cute. A brasileira protagoniza um soft porn. O sensacionalismo da sátira B parece retomar a tradição oral do conto longevo em outro sentido.
Para além da nudez calculada, Histórias que Nossas Babás não Contavam apresenta Costinha como o Caçador e ideias dignas de seu repertório de piadas. Chamando a atenção entre os anões, há um Dunga de pênis grande e o Nervoso, na caricatura da “gaiola das loucas”, enfezado com a chegada da ex-donzela. O Espelho Mágico (Renato Pedrosa) debochando da Rainha (Meiry Vieira) lembra um pouco outra versão farsesca que soa como paródia: a que há em El Chapulín Colorado (1973–1979).
E uma sátira edificante como a de Marc Webb também não seria uma paródia? Não exatamente. Nas sucessivas adaptações em ficções, a fidelidade de tom ao segundo ponto referencial, o de 1937, é mantido nesse exemplar. Não se tenta nem o aprofundamento que se viu nos últimos tempos colocando em destaque o ponto de vista da vilã — sendo Wicked (2024) o representante mais recente lançado por Hollywood. A Rainha Má, interpretada por Gal Gadot, é tirana e ponto. Essa narração do livrinho nos diz que o reino tinha um clima de cooperação, mas se tornou bélico no reinado da nova liderança política. Em vez de príncipe, há um rebelde chamado Jonathan (Andrew Burnap). O grupo desse último e os mineiros anões, feitos em computação gráfica, juntam-se em torno da gentileza de Snow White. Entre os momentos musicais educativos, ela canta como realizar o trabalho doméstico de maneira alegre.
= = =
Nenhum comentário:
Postar um comentário