sábado, 14 de junho de 2025

Patrimônio cultural

A Real Pain
 
(dramédia,
USA/POL, 2024)
de Jesse Eisenberg.
 

 
por Paulo Ayres
 
Apesar de a fórmula poder ser resumida como um filme discreto sobre um personagem indiscreto, A Real Pain, na sua simplicidade, consegue aprofundar a trama se mantendo num trajeto turístico corriqueiro. Na verdade, Benji Kaplan (Kieran Culkin) até pode ser a força movente que sacode um pouco os protocolos da viagem à Polônia, mas também é objeto de um olhar que, dentro e fora da tela, assume a posição central. Jesse Eisenberg é David Kaplan, o primo responsável e introvertido do enredo, e também escreve e dirige a obra. A Real Pain é Eisenberg/David tentando entender o primo e o desenvolvimento histórico feito de ações e reações diversas.
 
Sobrevivente de uma tentativa de suicídio, Benji apresenta uma personalidade inquieta e debochada, alternando de maneira binária e bem intensa entre ser insensível e sensível demais.
 
Imagine um filme em que o clímax — se é que há um — é colocar uma pedra em frente a porta de uma casa velha, indicando um “estive aqui” de tradição judaica, mas, no caso, também de turismo chato. Bem, esse é o tipo de filme que A Real Pain busca ser e, dentro da insuficiência de drama edificante, cumpre de modo eficaz sua intenção. A ficção histórica percorre um caminho de chatice conduzida por um guia turístico, James (Will Sharpe), e realiza breves suspensões da monotonia feitos por Benji, e seguidas e comentadas por David. Eisenberg, nesse movimento, aprofunda a reflexão familiar com o tema histórico da visita a um campo de concentração que se tornou um museu polonês. A questão paira sobre como as adversidades e as dores na sociedade se apresentam em graus variados e como isso molda diferentemente os indivíduos sociais. O desfecho conciliatório, aliás, possui uma fina ironia em que a dor de um tapa na cara gera uma boa sensação em Benji, trazendo ele ao presente de atenção plena e deixando, momentaneamente, os pensamentos intrusivos que alimentam mágoas e ar blasé.
 
A Real Pain é um filme familista, mas que olha com curiosidade para a figura do primo (ou tio) esquisito e solitário. É só comparar com Little Miss Sunshine (2006), pois A Real Pain também é a dramédia americana fofa da temporada. Lá o tio destoante, e que também tentou se matar anteriormente, é integrado ao núcleo duro e inabalável com problemas superficiais. Em A Real Pain, assim como Juno (2007), outra dramédia de costumes dessa linhagem, a excentricidade resiste com mais força.

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