segunda-feira, 5 de agosto de 2024

Drama retardatário

Little Miss Sunshine

(dramédia,
USA, 2006)
de Jonathan Dayton
e Valerie Faries.
 
 
por Paulo Ayres

Nos Estados Unidos, vez ou outra, aparece um drama “fofo” que faz sucesso na temporada e geralmente tem o selo indie indicando que é uma “diversão requintada”. Entre os altos e baixos nessa tendência, talvez Little Miss Sunshine seja o caso mais emblemático, não apenas porque ganhou o Oscar por seu roteiro original (de Michael Arndt), mas também porque, ironicamente, é tão genérico que a tal originalidade deve ser a sintonia com a temática da simplicidade. Um passatempo sincero e simpático na sua ambição modesta, mas, contraditoriamente, esnobe na forma da encenação. Na estrutura, o filme do casal Jonathan Dayton e Valerie Faris parece uma comédia da Sessão da Tarde.

Se fosse uma simples comédia da Sessão da Tarde, Little Miss Sunshine até seria um bom filme, mas a pretensão de ser “profundo” colocou uma lupa em suas limitações de conteúdo. Enquanto dramédia estadunidense é até possível comparar com outras dramédias daquele país que possuem o foco em disfunções familiares. Mesmo sendo dois dramas edificantes, American Beauty (1999) e Little Children (2006) espelham um nível mais elevado de complexidade, mostrando famílias nucleares em contradições densas, até com algumas rupturas, embora, nos dois casos, haja certa metafísica da redenção e da conciliação. Em Little Miss Sunshine há uma esquisitice de superfície e o filme bate numa tecla só: tudo bem ser loser desde que haja uma união fraternal. Se o drama ironiza o curso motivacional do pai (Greg Kinnear), logo o próprio enredo assume uma postura de “coach de fracassos”, direcionando o movimento que fortalece o núcleo petrificado. Clímax dançante que debocha de um concurso de miss infantil com aparência datada, mas, por outro lado, é um ritual familista como celebração de um caráter fechado.
 
Até porque, entre os dilemas apresentados, o que se destaca ali? Seria o tio (Steve Carell) com depressão? A mãe (Toni Collette) fumante? O avô (Alan Arkin) que foi expulso de uma casa de repouso? O adolescente (Paul Dano) que faz voto de silêncio como rebeldia e é fã de Nietzsche? Talvez seja mesmo o pequeno drama da menininha (Abigail Breslin) que sonha em ser miss e é o motivo da família fazer a viagem com uma Kombi velha. Não que isso não valha um filme todo girando ao redor, o problema é mesmo como Dayton e Faris preencheram esse fio condutor. Um resultado um pouco melhor só viria na dramédia seguinte do casal, Ruby Sparks (2012), pois a ficção de fantasia não apenas reúne alguns clichês de estilo hipster, como também coloca o problema da idealização nesse meio.

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