(tragédia,
BRA, 2022)
de André Bushatsky.
por Paulo Ayres
A expressão “domingo à noite”, que dá nome ao filme de André Bushatsky, permite uma digressão cultural sobre o que isso remete em termos de imagens e sons. Junto com a chamada síndrome do domingo à noite — reconhecida desde o reflexo cotidiano no senso comum até o reflexo científico —, é possível detectar certa iconografia e áudios correspondentes. No caso do Brasil, até se pensou em “síndrome do Fantástico”, devido ao horário do programa televisivo da maior emissora. Gols da rodada, Sai de Baixo (1996–2002), algum filme do Steven Seagal, pegadinhas do João Kléber e do Silvio Santos. As do SBT usam o termo “câmera escondida”; e, por falar no canal, nos anos 1990, uma aparição sombria de uma bênção de Jesus — sinistra para uma criança — indicava que um fim de semana estava se encerrando e uma nova semana começando. Esse tipo de escuridão ou intervalo ilustra um ciclo em espiral da vida cotidiana.
O nome do filme, Domingo à Noite, casa com o enredo, que fala de um processo gradual de demência. É como se o casal de idosos tivesse uma ampliação constante e aleatória daquela sensação melancólica e ansiosa, com imagens e sons que indicam uma pausa de recomeço. Margot (Marieta Severo), atriz de grande fama, recebe o diagnóstico de mal de Alzheimer e, além de não conseguir cumprir o contrato e realizar uma cena final de ficção, se vê limitada na função de ponto de apoio do marido, Antônio (Zécarlos Machado), um escritor premiado que já está num estágio avançado da doença. Os dois filhos do casal, Francine (Natália Lage) e Guto (Johnnas Oliva), apresentam-se como um novo meio de suporte estrutural. Contraditoriamente, a saúde mental deles não esconde que é um par, não só com problemas próprios, mas em menoridade perto do dinheiro e do reconhecimento dos pais.
É uma sequência forte em transmitir dor e falta de rumo quando Antônio ouve que uma das filhas morreu e, depois, entra nas ondas do mar para ser resgatado. No entanto, a tragédia audiovisual faz predominar o tom solene e chique em sintonia com Margot, procurando se manter firme e recusando a ideia de passar os últimos tempos numa casa de repouso.
A personagem não consegue interpretar um último trabalho e transfere essa limitação ritualizando sua vida real como uma sequência cerimonial em toques íntimos etc. O objetivo é sério em manter porções de sua identidade individual e a do companheiro. Independente se a maneira como ela realiza as atividades e a decisão de ficar ali são um capricho ou não, Bushatsky deveria se colocar com certa distância dessa décadence avec élégance. A trilha sonora incidental, usada em demasia, é o indicativo maior que o tom de queda honrada está sendo construído gradualmente.
De certa forma, o drama edificante aponta que Margot conseguiu sua performance derradeira, um rito de passagem domiciliar. Domingo à Noite alcança, por vezes, o aprofundamento no dilema da perda relativa de si mesmo e do outro da convivência, mas sofre da síndrome da labuta romantizada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário