(folhetim,
USA, 2008)
de Steven Spielberg.
de Steven Spielberg.
por Paulo Ayres
Transformada, entre outras coisas, em modelo audiovisual de ação de corpos em enquadramento e ícone ficcional da arqueologia, a saga cinematográfica do Indiana Jones chegou ao quinto folhetim com certa regularidade qualitativa. Estável na disposição das instabilidades, que são como duas descidas de montanha russa entre três pontos altos como bons passatempos. Curiosamente, esse rebaixamento e subida ocorre na trilogia da década de 1980 — Raiders of the Lost Ark (1981), Indiana Jones and the Temple of Doom (1984) e Indiana Jones and the Last Crusade (1989) — e se repete com as duas obras feitas tempos depois, com Harrison Ford grisalho e Jones vivendo na época da Guerra Fria — Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull (2008) e Indiana Jones and the Dial of Destiny (2023). Antes de analisar o filme que coloca esse fundo geopolítico em evidência, é necessário perceber certas variações que existem na franquia. Os gêneros temáticos em si não são o problema, mas certo excesso na forma é um sinal que alguns conteúdos se imobilizaram como se fosse areia movediça.
Assunto comentado diretamente na sátira mais recente, The Dial of Destiny: mágica ou matemática? Há forças extraordinárias de especulação ficcional e, dependendo do contexto da obra em questão, aparece uma categoria de explicação fazendo sentido. Os dois últimos filmes lançados são ficções científicas. Os três primeiros são ficções fantasiosas. Ou seja, não está aí a diferenciação avaliativa, embora deve haver gente que coloque os três primeiros filmes num pedestal. Aliás, o último é um folhetim tecnológico dirigido por outra pessoa, James Mangold, e representa uma guinada na profundidade das contradições no enredo e na vida do famoso professor universitário da cultura pop.
Steven Spielberg remodela a aventura cinematográfica com Raiders of the Lost Ark, mas peca pelos excessos no episódio seguinte, The Temple of Doom, que, na cronologia desse universo, se passa antes, em 1935. Até pode haver na série uma pequena dose de olhar colonial se divertindo com turismo alternativo no interior do Terceiro Mundo, porém, em The Temple of Doom isso se apresenta como um banquete xenofóbico para degustação. Por mais que Spielberg tenha um talento primoroso como narrador, The Kingdom of the Crystal Skull também parece um elefante desengonçado ao preencher os quadros com inúmeros estímulos e estripulias. E, mesmo sendo uma space fiction, a fotografia com aura luminosa de Janusz Kamiński parece, às vezes, tratar o assunto dos deuses astronautas irradiando algo estranho. Nada de estranho. É o familismo mais puro e concentrado, com direito a casamento na igreja com Marion Ravenwood (Karen Allen) e um novo júnior (Shia LaBeouf) reunindo esse modelo padrão.
O assunto do anticomunismo vem depois disso porque ele esta numa composição diminuta em The Kingdom of the Crystal Skull. Ok, os russos são os vilões desse episódio, tal como o imperialismo fascista de alemães em outros, mas os conflitos estão bem inseridos no contexto da disputa internacional de 1957. Os agentes soviéticos estão enfatizados na valorização do conhecimento científico — que, no final das contas, era o tesouro do El Dorado alienígena, na floresta amazônica do Peru. Embora seja retratada como a frieza em pessoa, a Irina Spalko de Cate Blanchett rouba a cena quando está na tela. Lidera um grupo que consegue ludibriar e saquear a tal Área 51 nos Estados Unidos, profanando um galpão de pilhagem de artefatos. A sátira edificante também dá umas boas alfinetadas na perseguição política em território estadunidense, comentando a histeria anticomunista procurando o “perigo vermelho” até em ambientes de ensino. Pena que isso tudo está espremido numa projeção lotada de referências de período, como o horror atômico e motocicletas de rebeldes sem causa. Como ironia involuntária, a cidade cenográfica de teste de bomba indica a aparência plástica.
The Kingdom of the Crystal Skull até pode ser a sátira anticomunista de Spielberg, mas é de uma maneira diferente de Bridge of Spies (2015), o drama anticomunista do cineasta. Esse último é daquela linhagem em que há uma sociedade socialista com céu cinza e música triste de fundo. Refletindo esteticamente certa visão da politologia. The Kingdom of the Crystal Skull se passa inteiramente no continente americano. E a montanha russa de sensações é naquele estilo pueril do coração que “amanheceu pegando fogo...”. Carnavalização puritana.
Apesar dos pesares, esse filme sobre o Indiana Jones acentua a reflexão teórica da geografia humana como ciência social auxiliar, como pesquisa de campo em sentido amplo. Na sequência da perseguição na universidade, aliás, o Professor Jones recomenda a um estudante que leia Gordon Childe, um historiador materialista.
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Lista de sci-fi feuilleton no subgênero space fiction:
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