domingo, 27 de julho de 2025

Frio niilista

The Thing 
 
(folhetim,
USA, 1982)
de John Carpenter.
 


por Paulo Ayres
 
Para entender as limitações de The Thing é preciso fazer um número de cotejamentos para ir decifrando suas determinações. De início, é possível colocar o filme americano ao lado de outro conterrâneo. O ano era 1982. Enquanto John Carpenter lançava The Thing, Steven Spielberg agitava os cinemas com o antológico E.T.. São duas ficções espaciais com propostas bem diferentes. O filme de Carpenter está longe do alienígena de coração puro. Bem distante. Até geograficamente. Numa brancura de neve sem fim, o enredo se passa numa daquelas bases afastadas da civilização. No caso, uma instalação de pesquisa dos Estados Unidos na Antártida. A próxima comparação pode ser feita dentro da filmografia de Carpenter. Só para citar outros folhetins do cineasta estrelados por Kurt Russell: The Thing possui uma essência diversa de Big Trouble in Little China (1986), uma sátira edificante, e de Escape from L.A. (1996), uma sátira realista.
 
Parte de uma trilogia niilista de Carpenter, The Thing é arte degradante porque se fecha em determinismo estético. Ou seja, a ausência de final feliz é o que compromete  a totalidade da obra para, ao menos, emergir como arte edificante. No final enigmático, restam MacReady (Russell) e Childs (Keith David), únicos sobreviventes da contagem de corpos, se observando num frio desolador e cheios de desconfiança, pois um dos dois pode ser hospedeiro do parasita extraterrestre. Entretanto, esse desfecho não surge do nada. Ele continua a lógica e o tom de autodestruição que se desenvolve como intenção narrativa. Se essa ficção científica é um espetáculo focado nos efeitos visuais e na maquiagem, isso não significa que esse foco precisava consumir a projeção como um rastilho de pólvora.
 
Os bonecos congelados e animatrônicos possuem uma artificialidade satírica. O sangue, em algumas cenas, parece tinta vermelha. Essas coisas não são defeitos. Pelo contrário, expressam adequadamente o contexto folhetinesco da encenação. O tom solene, em meio a essas características, realça um humor audiovisual ecoando junto ao suspense.
 
A paranoia se torna o tema principal no sentido de que qualquer um ali no grupo pode estar infectado. Com relação a outras obras sobre invasores de corpos, The Thing tem como ponto chamativo a combinação de fogo e neve, pois as criaturas são enfrentadas com lança-chamas. Além disso, quando alguns cadáveres são congelados, e se petrificam numa aparência de fusão e derretimento, lembram os relógios derretidos (1931) de Salvador Dalí. Concepção criada pela equipe de efeitos de Rob Bottin.
 
Embora não seja uma ficção fantasiosa como In the Mouth of Madness (1995), The Thing é, também, um pesadelo permanente. Curiosamente, é no mesmo gênero de folhetim espacial que Carpenter realizaria uma obra-prima, They Live (1988), na década de oitenta do século passado.
 
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