(tragédia,
USA/HUN/UK, 2024)
de [ ].

por Paulo Ayres
As mais de três horas de The Brutalist são realmente necessárias? Para a proposta de expressar a imponência arquitetônica para a forma estrutural faz bastante sentido, começando com os alicerces da construção até o epílogo de reconhecimento tardio. As legendas estilizadas são como a arquitetura incomum para o Ocidente. O topo, ou cobertura, no entanto, afirma uma linha sentimental que contrasta fortemente com certas retas concretas criadas antes. Trocando em miúdos, a forma narrativa e os adereços visuais criam uma diferença antidialética com o conteúdo de superações individuais cheias de carga emotiva.
No desenho de desenvolvimento ficcional, após uma confusão que sinaliza os conflitos do desfecho da Segunda Guerra Mundial, László Tóth (Adrien Brody), o migrante húngaro, chega a América (do Norte) e contempla a Estátua da Liberdade. Contudo, a tragédia audiovisual não percorre o caminho surrado do drama feel-good no país das oportunidades. The Brutalist é uma construção longa e detalhada que faz questão de sinalizar que, ao lado de luxo, pioneirismo e maravilhas, também há a fila da miséria na maior potência geopolítica. Na primeira parte, em 1947, o arquiteto protagonista mete a mão na massa do trabalho material. Participa da execução na técnica (e arte) que transforma a matéria natural. Um pedreiro que, com o passar dos anos, torna-se uma espécie de artista marginal paparicado por gente rica. A arquitetura brutalista, que se popularizou como corriqueira em lugares do bloco socialista, é um monumento exótico para a degustação de grã-finos e intelectuais na sociedade capitalista.
Na parte seguinte, László assume a função coordenadora, comandando os operários. Além disso, recebe sua esposa Erzsébet Tóth (Felicity Jones), que chega na cadeira de rodas e com a sobrinha órfã, Zsófia (Raffey Cassidy). László é um mediador subordinado a Harrison Lee Van Buren (Guy Pearce). O industrial, que financia um projeto, é a cabeça do núcleo familiar que assedia, em certos sentidos, a família do arquiteto. O assunto do antissemitismo pós-Holocausto emerge em momentos específicos, mas The Brutalist não faz disso um discurso recorrente. É como se fosse uma sombra nos grandes traços retos que se erguem de maneira imponente. Até os traços da fisionomia de “galã feio” de Brody são comentados no enredo. O drama edificante, até certo ponto, é um conjunto de linhas que já diz em imagens muito do que o desenvolvimento reforça nas passagens de tempo. É por isso que o epílogo familista surge como uma virada “bruta” do roteiro. The Brutalist não se contenta com Erzsébet indo interromper a refeição formal dos Van Buren — mesmo arrastada depois, o caminhar da mulher ilustra um triunfo. Para reforçar a volta por cima da família judia, o final é um puxadinho barroco construído no topo do prédio.
Independente desse acréscimo decisivo, em The Brutalist a complexidade das relações sociais tem mais tempo de tela que os rearranjos morais do enredo. Há um eco exterior sobre a criação do estado colonial de Israel, mas de maneira discreta e em narração em off. Não entrar de forma partidária, com nitidez, nesses “telegramas” geopolíticos contribui para o filme ter como foco a nova vida dos migrantes. Deste modo, a Contrarrevolução Húngara de 1956 nem é assunto breve para sabermos se László concluiu que tal evento histórico é um episódio revolucionário ou não. Uma construção pode ter uma aparência no exterior e outra no interior.
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