sexta-feira, 10 de maio de 2024

Data internacional

Independence Day:
Resurgence 
 
(folhetim,
USA, 2016),
de Roland Emmerich.
 

 

por Paulo Ayres

A onda de continuações em Hollywood trouxe de volta o blockbuster espalhafatoso que foi símbolo do entretenimento apocalíptico num momento em que o CGI, por si só, garantia uma sensação de espetáculo inédito. O novo Independence Day, por outro lado, não tem como transmitir a impressão de evento, sendo mais uma das opções monótonas que as salas e canais exibem como passatempo de custo milionário. No entanto, esse universo de Roland Emmerich, trazido de forma repaginada, serve para observar certos detalhes que espelham o Zeitgeist de cada período.

A diferença significativa entre o space feuilleton de 1996 e o mais recente não está na reciclagem futurista — após vencer os invasores espaciais, os humanos se apropriam de sua tecnologia mais avançada, modificando o cotidiano urbano, as pesquisas, os exércitos etc. —, está, na verdade, em elementos discretos que sinalizam a instabilidade imperialista dos Estados Unidos. Logo no início, há uma bandeira da China estendida para a coadjuvante chinesa Rain Lao (Angelababy). Muitos podem ver o desenvolvimento do “ingrediente chinês” apenas como uma jogada inteligente do cinema hollywoodiano, em busca de agradar o mercado imenso do país asiático, porém, não deixa de ser um sintoma da gradual mudança de forças no tabuleiro geopolítico. Resurgence, no 4 de julho de 2016, aparece na antessala de uma nova Guerra Fria, distinta da anterior. Portanto, o contexto é outro quando comparado com aquele do primeiro Independence Day, que, no meio da década de 1990, funciona como uma ode bélica à nação que se enxerga como guia e polícia do mundo.
 
Obviamente, uma dose de nacionalismo conservador e o gosto (meio infantojuvenil) pela parafernália militar em combate continuam lá, mas Emmerich reflete (conscientemente ou não) crises de autoimagem do nosso mundo na sua realidade alternativa. Uma sátira edificante com uma mulher na presidência dos Estados Unidos. E, por mais que haja um protagonismo “de vitrine” com os cinco jovens pilotos de caça, o folhetim enxerga na velha geração a experiência astuta e a tomada das rédeas da situação. O velho Bill Pullman, como o ex-presidente e herói da pátria, despeja novamente aquele discurso motivacional insuportável, mas desta vez como um ícone de inspiração transnacional. Resurgence se filia a um tipo de ideologia pacifista sem abrir mão da velha iconografia que celebra o modo de vida norte-americano.
 
Assim sendo, passando por The Day After Tomorrow (2004) e por 2012 (2009), os painéis de ficção catastrófica de Emmerich foram gradativamente combinando — de maneira tosca, é preciso salientar — uma tendência nacionalista e outra internacionalista. Resurgence procura retocar as fissuras dessa tensão se refugiando num universo paralelo onde as nações, em reconstrução devido às batalhas com extraterrestres, resolvem, por ato de vontade, suspender os conflitos do mundo e viver como na canção “We Are the World” (um tipo de pensamento ingênuo que a recente pandemia também estimulou de forma mais intensa). Todavia, o ponto é que isso indica contradições na consciência chauvinista e na autopercepção estadunidense em relação ao seu papel no mundo real e atual.

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[0] Primeiro tratamento: 15/05/2021.
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