por Paulo Ayres
Como criar interesse narrativo e as ilustrações audiovisuais para um história de cálculos em papel e na lousa e um julgamento político não aberto ao público? A feitura de Oppenheimer indica que um trabalho tão cheio de informações, além de recriar a primeira explosão atômica feita pela humanidade, procura transmitir essa grandeza e o perigo histórico que tal criação desencadeia. A montagem rápida, vários planos curtos e vários closes no Dr. Robert Oppenheimer (Cillian Murphy), indicam que a edição posturada e nervosa, ao mesmo tempo, pretende que a subjetividade do (anti?) herói espirre na tela às vezes. Silêncio ensurdecedor, música grandiloquente, plateia comemorando com pisadas nos bancos de madeira, lembrança inesperada de uma cavalgada sexual, vômito de nojo moral e cancerígeno etc.
Esse conjunto “sinestésico”, de sensações oferecidas por Christopher Nolan e sua equipe, coloca-se na missão cinematográfica de refletir esteticamente três coisas: 1) a maravilha e o espanto da física moderna e sua aplicação prática quando as observações e as equações saem da teoria pura; 2) como foi a decisão polêmica nos Estados Unidos de praticamente riscar duas cidades japonesas do mapa; 3) como Oppenheimer busca se redimir na medida do possível, enquanto o governo americano, numa fase mais ferrenha de anticomunismo, julga sua lealdade ao país.
No segmento em temporalidade mais avançada, o que está em preto e branco, e tendo o “protagonismo coadjuvante” de Robert Downey Jr. como Lewis Strauss, uma linha de perseguição pessoal se insinua. É como se uma vingança por meio de canais burocráticos desviasse, em parte, o assunto para uma bolha que não é predominante na representação da nação. Mesmo assim, o political thriller de Nolan alcança uma grande dose de complexidade, no vaivém de tempos, ao inserir as contradições do cientista. O próprio personagem, Oppenheimer, demonstra alguma noção autocrítica em ser leal e subversivo. Há no enredo o questionamento da versão de dar uma aura de sacrifício redentor para os dois lançamentos de armas nucleares. No entanto, o sacrifício redentor do prestígio do físico, em ação reparadora, é mantido na corda bamba da reverência ficcional, predominante, mesmo com algumas indicações de incoerência e de vaidade. No texto direto, comenta como esse movimento, de maneira retardatária em relação as consequências do Projeto Manhattan, soa por vezes como tentativa de martírio (político). Porém, essa autoconsciência em Oppenheimer, não anula que o processo retratado é essencialmente esse mesmo. O olhar arregalado da consciência e da busca por regulações. Nesse sentido, as conversas com Albert Einstein (Tom Conti) emergem como gênios deslocados, assistindo a corrida armamentista de russos e estadunidenses.
A construção da cidadezinha de planejamento e teste, Los Alamos, ocupa um papel central no desenvolvimento do drama edificante. Até certo ponto, aquele espaço equilibra bem o clima de vanguarda científica e de trabalho material expandindo a força humana, com o aspecto soturno do contexto histórico de disputas geopolíticas. O que se pode notar de ressonâncias de desequilíbrio narrativo são ondas em localizações temporais e espaciais em torno desse núcleo: o posto de personalidade de influência política que Oppenheimer conquistou e seu embate posterior para sustentar essa credibilidade. Entre as amizades com pessoas da esquerda radical, destaca-se o envolvimento com duas mulheres que foram do Partido Comunista, Kitty (Emily Blunt) e Jean Tatlock (Florence Pugh). No campo do marketing, Oppenheimer, o filme, teve sua distribuição envolvida com outra mulher, a de Barbie (2023 ou 4?). “Barbenheimer”, uma fusão mais memista do que mercadológica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário