terça-feira, 15 de abril de 2025

Socialismo utópico

Defiance

(tríler,
USA, 2008),
de Edward Zwick.



por Paulo Ayres

Defiance seria apenas mais um bom drama edificante sobre a Segunda Guerra Mundial e a perseguição fascista aos judeus, mas o filme de Edward Zwick trata de um acontecimento histórico que lhe tira das obras esquecíveis e o destaca nessa temática. Primeiramente, conta a história de uma resistência armada de judeus contra os invasores da Alemanha nazista e seus colaboradores locais. Além disso, há uma curiosa aliança tática entre o socialismo utópico e o socialismo real.
 
Na Bielorrússia, em 1941, alguns sobreviventes judeus se juntam na floresta Naliboki com um número crescente de indivíduos. Com o tempo, eles passam a ser liderados por Tuvia Bielski (Daniel Craig) e o acampamento florestal deixa de ser, gradualmente, apenas um breve ponto passageiro de fuga e de preparação para emboscadas de guerrilheiros. É afirmada a proposta de vida cotidiana solidificada enquanto convivência. Uma comunidade romântica secretamente no meio de um contexto de guerra e de países invadidos pelo imperialismo fascista.
 
Todos os membros pegando no pesado, em certo sentido, é algo que também revela as diferenças que existem numa mesma etnia. Distinções que refletem, em algum grau, as divisões classistas de onde se formaram. Um trabalhador intelectual demonstra pouca habilidade para o trabalho material, mas logo ele se integra na dinâmica. E alguns judeus supostamente de um estamento mais rico despertam o olhar desconfiado de um mais pobre.

O tríler indica também como as relações afetivo-sexuais são importantes na coesão dessa comunidade romântica. Numa busca direta por cônjuge, seja de uma maneira mais aberta ou em molde monogâmico, há até um casamento religioso realizado por um rabino.
 
Para uma ficção histórica baseada em fatos reais, a fidelidade em pontos essenciais do material historiográfico é imprescindível. Entretanto, independente dos acréscimos ficcionais na superfície do enredo, é possível observar como Zwick lida com o panorama desse episódio da guerra, mesmo se o espectador desconhece os detalhes dessa quadra geográfica e histórica.
 
O cineasta norte-americano avança um nível no aspecto árduo da comunidade romântica. Há, por exemplo, roubos externos, falta de medicamentos e linchamento vingativo. Quando chega o inverno rigoroso — e o fotógrafo português Eduardo Serra ajuda a esfriar os ânimos — a dinâmica do socialismo utópico congela e a carência domina. Obviamente que o political thriller não para aí e conecta um clímax tardio — o filme tem mais de duas horas — com uma batalha grandiloquente e triunfante contra um pelotão de alemães. Isso só explicita uma linha binária de desenvolvimento narrativo, intercalando impacto e suavização clichê.

A comunidade dos irmãos Bielski durou mais dois anos e, pelo menos no filme, Zus Bielski (Liev Schreiber), torna-se parte de partisans soviéticos do Exército Vermelho durante um período. Ao colocar lado a lado as duas experiências socialistas de dimensões e poderes tão distintos, o tríler contribui — mesmo que seja involuntariamente — para realçar o lado tosco e imaturo daquela comunidade. Ok, é uma teimosia idealista que merece que se bata continência de relevância histórica, mas, para isso, não precisa pender para a idealização ficcional em sintonia com o objeto refletido.
 
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