À primeira vista, Warm Bodies pode sugerir somente um despretensioso Twilight (2008) em versão zumbi, em vez de vampiro. Porém, nessa empreitada, está um bom exemplar do tema ficcional da zumbificação. Quando se trata de zumbis, a filiação de gênero que mais tem se destacado nos últimos tempos é a da ficção científica — mesmo esse tipo de morto-vivo tendo uma tradição como crença sobrenatural e ficção fantasiosa. No contexto de eco-fiction não é necessário explicar detalhadamente o que é tal infecção do vírus estranho: essa mutação especulativa, assim como por exemplo uma máquina de teletransporte, existe e pronto. A coisa muda de situação quando a questão é 1) o que são, exatamente, as criaturas canibais com morte cerebral; e 2) o que elas representam enquanto metáfora. Para uma sátira essas determinações são mais flexíveis, mas, num contexto dramático, essas duas questões ganham um peso enorme. É por isso que Warm Bodies tem relevância para além de ser uma pretensa versão da tragédia teatral Romeo and Juliet (1597): é uma dramédia que traz para o primeiro plano do texto o ponto classificatório e o grau de humanização dos chamados cadáveres ambulantes.
Nora (Lio Tipton), a amiga da heroína Julie (Teresa Palmer), até fala da vontade de pesquisar mais sobre o assunto se houvesse internet nesse universo pós-apocalíptico. Elas percebem que “cadáver” seria apenas “um nome estúpido” para aquela porção considerada subumana. Assim como o termo popular e paradoxal de “morto-vivo” é usado em várias ocasiões em sentido figurado para vivência muito alienada ou falta de ânimo. O diretor Jonathan Levine conduz esse sentido até o drama edificante de amor ter um encaixe perfeito com certas atribulações juvenis. R (Nicholas Hoult). o jovem zumbi, encarna a referência à juventude esquisita, lacônica, sem jeito para encontros ou dirigir carros. Essa é a melhor camada de significação do filme. E podemos imaginar como poderia ser melhor se a dramédia fosse comandada por alguém da estirpe de Paul Verhoeven, trazendo o assunto do pênis zumbificado. Warm Bodies é, infelizmente, namorinho de portão em versão cinematográfica, com direito a um sonho do zumbi em fotografia ensolarada, assim como o brilho do céu quando o casal se joga na água.
Na encenação dramática escolhida predomina um escuro melancólico e sinistro, mas contrastado com passagens divertidas e até corações luminosos demonstrando o processo orgânico de “des-zumbificação” gradual, embora talvez incompleta. Independente desse recurso visual piegas para o contexto, o tema é trazido com força dramática, para eles — e nós — refletirmos sobre aqueles seres com dificuldades mentais e motoras. Por outro lado, como se cumprisse à risca um manual de padronização de roteiro com placas com “emoção” e “ação” escrito, o filme acrescenta uma dose de universo maniqueísta, introduzindo criaturas horripilantes de computação gráfica. Os chamados esqueléticos seriam um grau de desumanização extrema e sem retorno — e, no fim, a narração em off de R até diz, com tom triunfante, que praticamente exterminaram os “bichos”.
Warm Bodies reflete, enfim a “inclusão social” na sociedade capitalista, que é um termo que também pode gerar alguma ambivalência, assim como as dúvidas classificatórias da ontologia social de dentro desse mundo ficcional. É uma inclusão através do romantismo crítico. Diferente da encenação satírica de Carrie (1976), uma inclusão niilista, e de Get Out (2017), uma inclusão realista.
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Lista de sci-fi dramedy no subgênero eco-fiction:
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