sexta-feira, 20 de junho de 2025

Praça de alimentação

Dawn of the Dead 

(dramédia,
USA, 2004)
de Zack Snyder.

  

por Paulo Ayres

Não é fácil fazer um bom drama sobre a epidemia zumbi, mas é menos complicado quando o enredo trata de um ponto avançado no tempo, um período em que já passou o ponto drástico de ruptura na reprodução social. Nesse tipo de retrato, os sobreviventes estão mais acostumados com a mudança de ambiente e o perigo rondando e tentam organizar uma vida cotidiana num abrigo ou de forma nômade e fragmentária. Um filme dramático sobre o início da infestação do vírus e a vida cotidiana “desabando” tem um espelhamento muito próximo da nossa realidade objetiva. A complexidade aí é maior. Em relação a isso, nota-se como o Dawn of the Dead de 2004 consegue trabalhar bem a rotina sendo quebrada na cidade, com zumbis proliferando de repente e o choque que isso traz. De supetão, o olhar da intimidade residencial deixa, de carro, um bairro pequeno-burguês que está entrando em caos, rumo ao centro do comércio. A determinação decisiva da fluência mais leve e dinâmica vem do roteiro de James Gunn e da encenação dramediesca de Zack Snyder.

Refilmagem do folhetim homônimo (1978) de George Romero, esse Dawn of the Dead é um projeto em que a dose de humor faz diferença, pois a mimese é mais verossímil e o tom mais solene que os que estão na versão satírica. Mesmo fazendo questão de manter predominantemente o clima tenso, os “intervalos” estão bem distribuídos por Snyder, havendo até alguns costumeiros videoclipes como trilha de alívio cômico. A essência da ideia de Romero está presente: o shopping center como fortaleza de sobrevivência do ataque de zumbis. Entre as questões que emergem, alguém indaga qual é o motivo de as criaturas estarem querendo entrar justamente naquele local. Uma das divagações, ora, é que o conjunto de zumbis está apenas seguindo o seu “instinto”, o seu hábito. Além disso, os sobreviventes transitam e consomem os produtos de uma maneira que aquele espaço é “desmontado” de sua funcionalidade conhecida. Mediações de dinheiro e da hierarquia não funcionam mais nessa situação extrema.

No meio do grupo sobrevivente, destacam-se na dramédia ecológica a enfermeira Ana Clark (Sarah Polley), o policial Kenneth Hall (Ving Rhames), o vendedor Michael Shaunessy (Jake Weber) e um segurança do local, C.J. (Michael Kelly). Esse isolamento grupal, com a presença de um sinal de SOS na cobertura do prédio, contribui para o drama edificante não bancar a narração explicativa e mapeadora nesse contexto. Pelo contrário, programas televisivos e alguns comentários das pessoas ali indicam dúvidas e especulações de tipos variados. O que se aprende com a experiência é que se trata de um fator biótico transmitido por mordida dos contaminados agressivos. Aliás, a comunicação social também ocorre através de placas escritas nas coberturas de prédios vizinhos, pois um atirador está sozinho buscando o contato entre interações intencionais. Uma prática de tiro ao alvo lá de cima se torna um entretenimento durante um tempo. O pátio fica lotado dos chamados mortos-vivos, como um tipo de praça de alimentação distinta daquela que há no interior do local. O céu que Snyder dá forma é de uma claridade forte, em sintonia com a palidez contaminante do problema que se alastra.

A ficção científica termina com uma fuga de barco. Esse Dawn of the Dead ocorre no epicentro da onda de infecções em seu começo, mas com uma perspectiva irônica tentando juntar os fragmentos dos fatos, como nos créditos finais. Nesse sentido, curiosamente, aproxima-se do ambiente pós-apocalíptico do tríler The Last of Us (2023–) e não do “fim do mundo” do tríler World War Z (2013). 

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