Recife Frio
(dramédia,
BRA, 2009)
de Kleber Mendonça Filho.
por Paulo Ayres
Antes do tempo seco e ensolarado de Bacurau (2019) houve o tempo fechado de Recife Frio. Não totalmente fechado; a palavra mais precisa é "concentrado", como sublinha o mapa da previsão do tempo de um telejornal fictício no filme. O estreito feixe de luz no final afirma um espaço de abertura e, metaforicamente, a historicidade aberta em meio a uma vida cotidiana profundamente alienada.
Falso documentário, Recife Frio é um drama interessado em determinações sociais básicas, situado nas fronteiras de suas conexões ambientais para expor uma reprodução social específica. Sem cair em um determinismo geográfico, que geraria uma naturalização das relações sociais evidenciadas, Kleber Mendonça Filho observa as adaptações da sociabilidade apresentada, determinadas condições se ajustando de maneira relativamente conformada. Afinal, o ciclo do calendário já costuma gerar repetições culturais e certas mudanças climáticas durante cada ano. A graça da dramédia está no caráter fantástico de uma mudança abrupta de temperatura e de paisagem urbana, servindo de instrumento para um olhar reflexivo sobre a metrópole. Abrindo mão de preocupações (esteticamente) cientificistas, a ficção científica está cumprindo bem seu papel: uma lente que amplia a dimensão implicitamente distópica do capitalismo tardio. Curiosamente, no entanto, a eco-dramedy só chega ao assunto da crise ambiental, cada vez mais sentida com urgência, de maneira bem indireta, devido ao foco na rotina ordinária e não no estranhamento com o extraordinário.
Tudo parece ter surgido de uma ideia simples com um recurso técnico: filmar o Recife com uma fotografia levemente cinzenta. Nesse filtro do drama realista, Kleber percebeu o potencial subversivo do material que, ao mesmo tempo, modifica e explicita sua cidade. Cada segmento funciona como um giro que muda para revelar estruturas que não se alteram em sua essência. A zona tropical com um frio congelante desloca e rearranja corpos, mostrando algumas estranhezas da nossa vivência do dia a dia. Em suma, a frente fria absurda funciona como um recurso narrativo que ressalta a absurdidade normalizada de determinada sociabilidade. Se os pinguins na praia podem ser vistos como o elemento de adorno mais temático, outras características indicam a intenção de olhar próximo e atento: a figura importada do Papai Noel, o quarto da empregada doméstica, o artesanato tendencial e, por fim, o shopping continuando, de certa forma, como uma concentração climática e sintética das relações existentes do lado de fora.
Assim como Vinil Verde (2004) e Eletrodoméstica (2005), Recife Frio é um curta-metragem dramediesco que parte de certas propostas imagéticas inusitadas para montar os panoramas do cotidiano. O aspecto diferencial da montagem aqui é a apresentação documental, não havendo apenas um núcleo, mas um desdobramento que visa uma aproximação de jornalismo simulado. E, tal como essa área, oferece uma cobertura com certo distanciamento, intensificando o sentido irônico do universo ficcional nessa exposição dos fatos.
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Lista de sci-fi dramedy no subgênero eco-fiction:
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