quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Classe servidora

Bronenosets Potyomkin

(farsa,
USSR, 1925)
de Sergei Eisenstein.

 

 
por Paulo Ayres

Analisar um clássico do cinema como Bronenosets Potyomkin permite a observação posterior do gradual processo de afirmação de uma nova arte que se desenvolvia em estágio inicial. É um dos filmes do período em que se nota a tentativa de imprimir alguma carga dramática. Em certo sentido, uma tentativa vã devido ao grau de desenvolvimento da arte audiovisual. Além da montagem pioneira de Sergei Eisenstein, está lá, acompanhando, uma trilha sonora pomposa, como se buscasse preencher as limitações visuais de captação da câmera. Como experiência desbravadora, há um esforço hercúleo em Bronenosets Potyomkin para aproveitar ao máximo o que o cinema mudo podia oferecer. Pode-se constatar, posteriormente, que o cinema da primeira metade do século 20 era totalmente — ou quase — de encenação satírica. E, nessa metade, o cinema das primeiras décadas do século passado era essencialmente farsesco.
 
Por mais que Eisenstein e outros diretores tentassem injetar mais dramatização naquele período específico, o resultado não era, em essência, distinto do que estavam fazendo Buster Keaton e Charlie Chaplin, assumindo a veia humorística de seus projetos. Bronenosets Potyomkin é um filme soviético sobre a Rússia czarista. Seu foco é um evento histórico bem determinado: a rebelião de 1905 em que há um levante de marinheiros do navio de guerra Potemkin contra as condições degradantes de trabalho e subsistência. Evento que, mesmo sendo uma revolta reprimida e contida pelo estado, visto no panorama posterior, mostra-se como parte do ensaio da revolução vitoriosa de 1917. Ou seja, é compreensível que a sátira almeje certa solenidade de registro, mas naquelas condições objetivas de técnica cinematográfica, não era possível fazer nem um protodrama (folhetim).

Entendido na sua encenação farsesca, Bronenosets Potyomkin, aliás, possui a maior flexibilidade possível de ficção para absorver os estereótipos estéticos em linhas de satirização mais estilizada. Não é anacrônico ver, por exemplo, quando surge um homem tentando estimular a ideologia antissemita entre os trabalhadores revoltados, uma cena típica de El Chapulín Colorado (1973–1979). A multidão avança sobre ele e sua influência não afeta a rebelião do enredo e nem o filme em si.
 
A famosa sequência da escadaria de Odessa mobilizou muita gente. E, ademais, torna mais complexa uma ficção sem protagonista individual, criando blocos representativos de camadas sociais e suas interações. Nesse sentido, para transmitir determinadas tensões e emoções, o cineasta se detém em certos momentos, criando alguma conexão individual, ainda que breve. Um carrinho de bebê singulariza um momento do processo, um close em alguém é outro momento, a descida sincronizada da repressão armada é outro ângulo etc. Um edição que, nos momentos de detalhes, expõe o tipo de caricatura que, antes, certos planos distantes, calmos, marítimos, esforçaram-se para criar uma breve discrição em tomadas sobre o navio.
 
A princípio, não há nenhum problema em uma ficção ser uma farsa, mesmo que as intenções de determinado filme fossem outras nas cabeças dos realizadores. Então, na avaliação estética de Bronenosets Potyomkin, o que impede de alcançar o realismo? Há indicativos disso para além da questão das limitações formais. O conteúdo, dividido em cinco partes, tem um estrutura didática e, mesmo que a lição de moral não esteja direcionada para um personagem ou um pequeno grupo específico, há um sátira edificante com um sujeito coletivo. Os marinheiros rebeldes são um segmento da classe servidora. Depois de enfrentar outro segmento, repressor, da mesma classe, atravessam de navio por entre uma frota, outro segmento do conjunto classista. A passagem é um símbolo de disseminação da consciência de classe: a classe ideológica do proletariado. A comemoração marítima do filme de Eisenstein, coloca de baixo para cima, mãos estendidas e bonés agitados e lançados dentro do navio. Por alguns segundos da película, uma lembrança de certas imagens de experimentos artísticos que fetichizam o absurdo. Eisenstein, no entanto, não é Luis Buñuel e Salvador Dalí que, em Un Chien Andalou (1929), chutam o balde diante das limitações técnicas, fazendo exercícios de montagem que se perdem na abstração absoluta.
 
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