(farsa,
USA, 2025)
de [ ].
por Paulo Ayres
No momento em que o filme Little Nick (2000) deixa de alternar sua trama entre o inferno e o mundo dos vivos, o céu religioso representa mais que outra dimensão nessa obra. É lá que o diabo protagonista, feito por Adam Sandler, e o espectador encontram — ou reencontram — o personagem Chubbs Peterson (Carl Weathers), do filme Happy Gilmore (1996). Mestre do golfe e do outro protagonista que dá nome a esse outro filme. Essa conexão de filmes distintos poderia passar despercebida pelo contexto farsesco, mas é a indicação do desenvolvimento inicial de um jeito “sandleriano” de fazer sátiras cinematográficas. E o curioso é que ocorre um revezamento de cineastas-funcionários e, nesse sentido, o que vai se estabelecendo como um estilo próprio de filmes vem da produtora de Sandler, dele mesmo, oferecendo as linhas gerais ou, pelo menos, os contornos derradeiros. A produtora audiovisual de Sandler foi fundada em 1999 e se chama Happy Madison, uma junção do nome de dois de seus primeiros filmes: Billy Madison (1995) e Happy Gilmore.
Happy Gilmore II, enredo que se passa vinte e nove anos depois da primeira sátira, retorna a esse mundo, incluindo esse céu com fantasmas. Nessa trajetória artística, a noção de um mesmo universo compartilhado surge como uma hipótese de internet, ao lado de outras especulações da cultura pop. Independentemente da coerência interna da teoria e de até que ponto a empresa está disposta a confirmar isso, o fato é que a ideia de um Sandlerverse — ou Happy Madison Universe — reflete algo da própria feitura das obras e como, em certa medida, um produtor-autor fundamenta o trabalho de diretores, autores formais de filmes, relativizando a teoria estética da autoria .
Além do céu — com os falecidos desse universo e que há patricinhas angelicais como Holly (Reese Witherspoon), mãe de Little Nick —, há até uma passagem histórica recriando um tempo antigo, no início da comédia mágica The Hot Chick (2002). Filme protagonizado por Rob Schneider e uma das obras com outros comediantes na posição central, mas que reproduzem, mais ou menos, o mesmo estilo satírico. Deste modo, entre a variedade de caricaturas, algumas são mais memoráveis, mas, em cada totalidade, todos permanecem na fronteira da sátira edificante avançada. Alguns exemplos: o trabalhador de limpeza Joe Dirt (David Spade), de Joe Dirt (2001) e Joe Dirt II: Beautiful Loser (2015), o mordomo Emilio Lopez (John Turturro), de Mr. Deeds (2002), a Coelhinha da Playboy Shelley Darlingson (Anna Faris), de The House Bunny (2008), o segurança de shopping Paul Blart, de Paul Blart: Mall Cop (2009) e Paul Blart: Mall Cop II (2015) e o artista de hotel Nickens (Terry Crews), de Blended (2014).
Happy Gilmore II é uma farsa. E as comédias pastelões são minoria na Happy Madison, que tem como preferência de projetos as comédias em sentido estrito. Isso quer dizer que Sandler, às vezes, faz predominar a encenação humorística que herdou do Saturday Night Live (1975–). De barba e com sinais da idade avançada, Happy Madison tem cinco filhos e é viúvo. Virginia [?] (Julie Bowen) morre num acidente de trabalho, embora apareça viva no céu e no local imaginário que Gilmore recorre para se acalmar. Repete-se a piada com as caneconas de cerveja simbolizando a dose de paciência, porém o famoso jogador de golfe se tornou um alcoólatra que esconde bebidas alcoólicas nos mais variados valores de uso. Nonsense à parte, a família empobrecida se muda para um bairro proletário. Talvez Happy Gilmore tenha frequentado as sessões de terapia em grupo do Dr. Buddy Rydell (Jack Nicholson), da comédia Anger Management (2003), inclusive utilizando o método “goosfraba” de contenção da raiva. Ou talvez a experiência tenha lhe transformado num tipo de pavio curto mais moderado. O vício que é destacado no enredo é o excesso de álcool e a sessão que passa a frequentar é a dos alcoolistas em recuperação. Hal L. (Ben Stiller), do filme anterior e de Hubie Halloween (2020), ressurge, dessa vez (super) explorando o trabalho material de pacientes no grupo. Enquanto isso, o outro vilão, Shooter McGavin (Christopher McDonald) sai do manicômio e, em vez de se vingar do desafeto, torna-se um dos parceiros de golfe num campeonato televisionado. Participando da competição, os paletós dourados, equipe de Gilmore, têm
como adversário um grupo encabeçado por Billy Jenkins (Haley Joel
Osment).
O novo caddie de Gilmore é Oscar Mejías (Bad Bunny), com sequências que injetam uma leve brisa homoerótica na farsa. Em chave diferente, mas com alguma semelhança, está a introdução da família verdadeira de Sandler. Contudo, não chega a ser igual a cena da filha de Rob Hilliard (Schneider) em Grown Ups (2010). Faltou a canção “Escape (The Pina Colada Song)”, de Rupert Holmes, na metalinguagem. Nessa última sátira citada, há duas concorrências extrafamiliares, uma mais explícita, no texto direto, e outra subentendida entre os cinco amigos. Em Happy Gilmore II, a disputa não é entre os núcleos familiares. Além dos dilemas na família de Gilmore, outros personagens do filme original reaparecem na forma de descendentes, geralmente como fragmentos na plateia.
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