quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Prazer culpado

I Agries Meres Mas

(tragédia,
GRE/FRA/BEL/GER, 2025)
de [ ]
 


por Paulo Ayres
 
Uma coisa não se pode negar em I Agries Meres Mas: faz bem a tarefa de uma aproximação de um determinado tema, um determinado grupo, e nos deixa em dúvida se é uma crítica (construtiva) ou apologia. Pode-se usar alguns elementos do desfecho, como o foco em raios solares ou a canção de celebração, para julgar que o tom conciliatório termina por predominar. Ainda que essa conclusão seja discutível, devido à contraditoriedade refletida antes, parte-se do pressuposto de que a maneira como um filme se encerra tem um grande peso na avaliação final. O drama de [Vasilis Kekatos] não se contenta em assoprar, simbolicamente, estilhaços de vidro dos olhos de Chloé (Daphné Patakia), a protagonista. Depois dessa ironia afetuosa no posto de gasolina, há algo que se encaixa como um final feliz no contexto de tragédia audiovisual.

A rebeldia de Chloé extravasa no estranhamento com sua família e, quando ela conhece um grupo errante, se sente atraída por esse estilo de vida. Seu lar passa a ser uma casa motorizada e sua nova família nuclear cultiva certos costumes anárquicos. Talvez possa se falar em comunidade, pois há gente semelhante que não viaja. Mas, pelo menos na vida cotidiana do veículo, o número de pessoas é pequeno. A categorização de família nuclear incomum, ou família comunal, parece captar melhor aquela vida de estrada. Como é compreensível num núcleo familiar, I Agries Meres Mas mostra os problemas coexistindo com os vínculos afetivos de harmonia. Uma dose de tecnofobia aqui — dispensar os telefones celulares —, uma dose de Robin Hood ali — furtar estabelecimentos de penhores e distribuir coisas. Outro assunto apontado é que o estereótipo de good vibes não exclui momentos de ira.
 
Fantasmas: essa é a metáfora utilizada em conversas para definir essa postura transgressora e sem raízes. Nessa observação, o filme grego aprofunda o lado de limitação desse anticapitalismo romântico. Por outro lado, essa metáfora também indica que eles são rebeldes incompreendidos e temidos, exaltando o caminho como se fosse um custo, um sacrifício.
 
Numa complicação posterior, o ritual de furto se transforma em roubo no sentido de abordagem violenta. Nessa sequência está o momento mais ousado, pois a própria tática e a razão de ser do grupo aparecem comprometidos em sua legitimidade. Não que o ato, por si só, desfaça a imagem, mas é eficaz em problematizar o percurso. Algo que nem as falas sobre remédios e coisas do tipo chegaram perto de fazer. No momento em que há a imitação de bichos, então, acontece uma ironia bem-vinda sobre uma concepção de irracionalismo aberto, mas, ainda assim, um aspecto de superfície. Era preciso mesmo o atrito na reta final para o objeto retratado se mostrar nas suas contradições essenciais. Por isso, a última parte, bem no finalzinho, soa como um epílogo de meditação como drama edificante.
 
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