por Paulo Ayres
O filme Cidade; Campo, na sua primeira parte, indica o resultado do êxodo rural. Sem estabelecer uma conexão com essa primeira história de vida, parte-se para a segunda. Aparentemente é o caminho oposto: um êxodo urbano para uma vida na zona rural. Todavia, essa parte salienta como um percurso desse tipo, sem conseguir se estabelecer, é mais uma exceção do que regra. Em todo caso, o fluxo migratório e a crescente urbanização são tendências predominantes e a obra de Juliana Rojas expressa isso na junção das partes.
Um nome de ficção com o sinal de ponto e vírgula. A escolha desse sinal linguístico foi muito bem feita, embora possa se questionar a ordem das duas palavras. Um “campo; cidade” seria mais preciso com os dados ontológicos de origem. O ponto e vírgula é um meio-termo entre o ponto de separação e a vírgula de continuidade em outro patamar. Aponta, desse modo, a dialeticidade de pares categoriais, por exemplo: “natureza; sociedade”, “necessidade; liberdade”, “dia; noite”, “camelo; dromedário”, “comédia; farsa”...
Rojas começa a tragédia audiovisual com o dilema da ex-trabalhadora rural Joana (Fernanda Vianna) que vai para a casa da irmã na cidade de São Paulo. Ali, começando uma nova vivência, desenvolve um vínculo com ela e o neto Jaime (Kalleb Oliveira). Com a ajuda dele, torna-se uma trabalhadora “uberizada” num aplicativo de trabalho doméstico. Nessa dimensão laboral, Cidade; Campo termina numa indignação coletiva das trabalhadoras exigindo mais responsabilidade da empresa Diarex. Não chega ao tom triunfante, mas o drama faz questão de encerrar essa episódio com essa experiência sobre um estímulo da consciência de classe. No ambiente residencial, Joana mexe numa horta como se fosse um micro-espaço rural na zona urbana. As aparições fantasmagóricas são mais contidas.
O uso do elemento sobrenatural, como metáfora direcionada para realçar certas relações sociais, foi visto em obras de Rojas, como Trabalhar Cansa (2011) e As Boas Maneiras (2017). Na tragédia audiovisual Cidade; Campo, esse aspecto gradativo se relaciona mais com a memória, a herança e a migração. A história do casal Flávia (Mirella Façanha) e Mara (Bruna Lynzmeyer) é de um êxodo invertido que assume o “passado” e a labuta na sua rotina rústica. Não é tanto a investigação de algo misterioso. Os sopros de tríler não se efetivam. Tal como a experiência com a substância psicodélica que as moças realizam certa noite, Cidade; Campo mantém-se mais numa camada de contemplação. É claro que estão lá belos planos de Rojas sobre o trabalho material no campo; contudo, como parte desse tom de experimentação, quase turístico.
Para não dizer que não falei das flores: o drama edificante, que destaca o contraste até no nome, estende a noção de variação complementar para o casal, nos contornos preto e branco, gordo e magro.
= = =
Nenhum comentário:
Postar um comentário