
por Paulo Ayres
O gibi dos X-Men não apenas existe em Logan, como tem um breve destaque no desenvolvimento do enredo. Folheando os quadrinhos, Logan (Hugh Jackman) comenta que aquela ficção seria uma besteira, não descrevendo bem o que aconteceu de fato na realidade. Certa ironia que há nisso é que aquele folhetim impresso simboliza, no contexto da totalidade do filme de 2017, um caminho que provavelmente conduziria à arte realista. É complicado fazer projeções de alternativas passadas, mas, ao que parece, o roteiro com que James Mangold trabalha é um exemplar de filme que teria um ótimo desempenho numa encenação satírica. De certa forma, ironicamente, a sequência direta do techno-thriller é a comédia fantasiosa Deadpool & Wolverine. Uma sátira edificante que vem na onda de rearranjar elementos no assunto do multiverso — não só na Marvel como na DC, como pode ser visto no filme The Flash (2024?) de [Andy Muschietti].
Mesmo em gêneros ficcionais tão díspares, o drama de Mangold e a sátira de Shawn Levy partem de um desejo de desvio parecido: fazer superproduções hollywoodianas com material de super-heróis dos quadrinhos numa classificação etária alta. Os dois projetos aprofundam a brutalidade em violência gráfica. No entanto, corpos perfurados e sangue na tela podem ser elementos chamativos num filme como Deadpool & Wolverine, mas em Logan, por si só, não garantiriam certa profundidade necessária na forma específica. Apostando num drama de ficção científica com cenário distópico, Logan não estaciona no nível de equívocos dramáticos com fonte primária de HQ. Ainda que haja certas simplificações e personagens “pirotécnicos”, incluindo as crianças fugitivas, há uma mão pesando para proporcionar um clima decadente e a resistência, na medida do possível e em sintonia com o enredo. A América refletida vive uma política fascistoide de controle e caça de mutantes. Entre os assassinados estarão: Charles Xavier (Patrick Stewart), uma família amistosa que dá abrigo e o próprio Wolverine.
Deadpool & Wolverine também possui um clímax de sacrifício redentor, embora sem as consequências do túmulo com um X como crucifixo funerário. Logan, drama edificante, desenvolve-se como um tipo de teste de paternidade, por meio da personagem Laura (Dafne Keen), um clone feminino de Logan com os mesmos superpoderes curativos e as garras de adamantium. Curiosamente, a atriz crescida retorna em Deadpool & Wolverine, mas enquanto uma X-23 meio deslocada no foco da trama. A comédia tem seu dilema em dois anti-heróis fracassados querendo dar a volta por cima. A busca de relevância e de uma equipe por Deadpool (Ryan Reynolds) e a superação do sentimento de culpa por um Logan com traje amarelo. Um traje como o da série X-Men '97 (2024–) — folhetim em desenho animado que retoma o universo de X-Men: The Animated Series (1992–1997). Enquanto isso, o universo cinematográfico da Fox é conectado ao MCU e tem seus direitos de reprodução interagindo com a questão direta do multiverso.
A Marvel e a Fox foram compradas pela Disney. Essa centralização de capitais é também assunto para algumas piadas de Deadpool. O personagem já havia demonstrado essa habilidade mágica de metalinguagem e de quebrar a quarta parede nos episódios anteriores: Deadpool (2016), Deadpool: No Good Deed (2017), Deadpool II (2018) e Deadpool and Korg React (2021). Em Deadpool & Wolverine isso se reforça com o multiverso sendo objeto de enredo e porque, em cerca de metade do filme, a dupla principal é enviada para Void, um universo alternativo chamado de lixão metafísico, que possui valores de uso e gente descartados de vários universos. Entre as pessoas encontradas, há uma formação passageira de equipe com Laura, Elektra (Jennifer Garner) — de Daredevil (2003) e Elektra (2005) —, Blade (Wesley Snipes) — da trilogia da New Line Cinema (1998–2004) — e Gambit (Channing Tatum). Entretanto, o destaque vai para uma participação breve, mas indicativa, da cultura pop reciclando ou cancelando: Chris Evans surge não como Capitão América, mas como o Tocha Humana de Fantastic Four (2005) e Fantastic Four: Rise of the Silver Surfer (2007), dirigidos por Tim Story.
Em Logan, além de haver uma empresa estadunidense tendo prejuízos nas experiências científicas com jovens mutantes no México, um clone adulto de Logan aparece como se fosse uma arma biológica do grupo perseguidor. Ainda que continue com um quê de eugenia na trama, o custo de vida entra mais no sentido econômico em Deadpool & Wolverine. É um panorama comediesco que vai desde o aluguel até a metáfora da reorganização criativa e mercadológica do entretenimento de longo alcance. Na distopia anarquista ao estilo de Mad Max (1979–), em vez de Charles Xavier, há sua irmã Cassandra Nova (Emma Corrin), uma mutante poderosa que altera estados da matéria e que alimenta uma criatura com itens de universos abandonados.
Antes de Logan, houve dois folhetins audiovisuais de um Wolverine sem X-Men: X-Men Origins: Wolverine (2009) e The Wolverine (2013). Uma versão do Deadpool de Reynolds aparece no primeiro. Um papel de vilão e sem boca. Embora também sejam duas boas sátiras edificantes, como a linha principal dos X-Men da Fox (2000–2019), Deadpool foi subaproveitado. O ator conseguiu levar adiante o projeto de reciclar o personagem no cinema.
De certa forma, o controle central sobre personagens aparece, em sentido figurado, na organização TVA (Time Variance Authority), que monitora diversas linhas do tempo. O falecido Wolverine de Logan é a âncora de um universo alternativo, a Terra-10005. A meta do Mr. Paradox (Matthew Macfadyen), aliás, seria levar aquele Deadpool para o MCU. No enredo, a finalidade não se cumpre. Por outro lado, a própria feitura de Deadpool & Wolverine é a finalidade realizada.
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