terça-feira, 13 de outubro de 2020

Sombra somática

Basket Case
 
(comédia,
USA, 1982),
de Frank Henenlotter.
 

 
= = =
por Olivier Bitoun
DVDClassik/2016
 
Com Frank Henenlotter, o monstro é sempre um personagem por direito próprio. Belial é, portanto, à primeira vista, uma criatura grotesca e voraz, um verdadeiro monstro de série Z que pula na cara de suas vítimas para massacrá-las. Contudo, Henenlotter, embora se recuse a negar sua natureza sanguinária, pouco a pouco o sobrecarrega com a humanidade. Primeiro descobrimos que Belial adora kung fu e hambúrgueres, mas essas são apenas as premissas de uma real re-humanização que vê este monstro se tornar uma criatura trágica assombrada por sua separação forçada de Duane e seu status de pária. Uma prole disforme que até repele seus pais, Belial só pode expressar sua frustração (particularmente sexual) e seu medo de perder tudo o que resta a ele — seu irmão — através da violência.

Henenlotter, entre duas cenas de massacre particularmente sangrentas, leva seu tempo para instalar sua dupla de heróis, o que torna Basket Case um estranho filme gore intimista. O diretor consegue criar sentimentos entre um ator de carne e osso e uma criatura de plástico (visivelmente inspirada em It's Alive [1974] de Larry Cohen), para nos fazer acreditar na relação ambígua entre os dois personagens. Esta é outra constante na obra de Henenlotter em que o monstro não é uma coisa externa que semeia a morte e o caos, mas um ser totalmente integrado na história de um herói que, irmão ou amante, torna-se cúmplice das atrocidades perpetradas: Belial e Duane; Brian e o voraz falo Elmer, com quem mantém uma relação íntima (Brain Damage, 1988); o doutor Jeffrey Franken, apaixonado por sua criatura formada por prostitutas e pela cabeça de sua falecida esposa (Frankenhooker, 1990)... Com Henenlotter, o monstro é sempre uma extensão do herói, um duplo, um desdobramento de sua personalidade. Não nasce de um mal em outro lugar, mas é a expressão física de um drama interior, de frustração, de psicose. É o resultado de uma sociedade que deixa de lado tudo o que é diferente, perturbador.

É assim que os filmes de Frank Henenlotter, em seus aspectos de película exploitation “imunda”, exalam uma atmosfera quase melancólica. Basket Case, primeira realização de filmagem com um orçamento ridículo (US $ 10.000 para uma filmagem de 16 mm), é um indicativo da paixão do cineasta por monstros, mas também pelos personagens peculiares e perturbados que habitam os bairros pobres de Nova York. Esse gosto pelo submundo vem de seu aprendizado de cinema nas famosos casas da 42nd Street em Nova York, bairro onde ele tentou rodar seu filme antes de desistir da ideia, os espectadores vinham constantemente atrapalhar uma filmagem já dificultada pela falta de recursos. Grande parte das filmagens ocorre em um hotel de passagem, e a equipe precisou monitorar constantemente o material para evitar que seja roubado. O elenco é condizente, os atores, todos amadores, sendo frequentemente escolhidos na rua pelo diretor.

Henenlotter faz um filme confuso em sua forma, desencadeado em transbordamentos gore (que subsistem mais do que são sustentáveis, os efeitos especiais não sendo o ponto forte deste filme desvalido). Mas se a direção e o ritmo costumam ser mais do que aproximados, a imaginação distorcida do cineasta prevalece e o filme realmente ganha aprovação com seu retrato quase naturalista das espeluncas nova-iorquinas. Basket Case, um filme muitas vezes assustador e perturbador apesar de seu humor onipresente, é o trabalho de um amante das esquisitices ansioso por abordar com sinceridade tanto o gênero horrorífico quanto esse quart-monde que tem pouca cidadania no cinema americano dos gloriosos anos 80. Este antídoto para os produtos formatados, moralizantes e reacionários dos estúdios — que então assumiram as rédeas de um cinema que se tornou anti-establishment com a Nova Hollywood — terá de alguma forma marcado seu tempo e faz parte com Street Trash de Jim Muro (1987) e Society de Brian's Yuzna (1989) destes títulos emblemáticos de videoclubes que souberam se aliar com uma certa provocação genial e a sátira virulenta da sociedade americana.
 
= = =
Lista de sci-fi comedy no subgênero eco-fiction:
[0] Tradução de Paulo Ayres.
= = =

Nenhum comentário:

Postar um comentário