quinta-feira, 1 de junho de 2023

Sapato velho

The Cobbler

(dramédia,
USA, 2014),
de Tom McCarthy.



por Paulo Ayres

Em The Cobbler o novo é visto com desconfiança. Essa faceta fundamenta mais uma dramédia com mensagem conservadora encenada com certa elegância blasé — um prato cheio para o público hipster que quer se divertir romantizando a imagem do loser. Contudo, até nisso o drama de Tom McCarthy se revela insuficiente, pois o seu happy end visa reparar os desdobramentos estabanados e a vida do sapateiro Max Simkin (Adam Sandler) com a ideologia empreendedora do “vencer na vida”. O coach (ontológico e financeiro) aqui é o barbeiro Jimmy (Steve Buscemi).

Reparação é o ato básico no filme. Max é um artesão restaurador. Isso significa que ele não cria o novo, não gera calçados totalmente novos a partir de um punhado de matéria-prima. Sua ocupação é reformar o velho, reabilitando os gastos nos valores de uso. Com efeito, esse tipo de atividade fundante intermediária é, também ela, um legado de quatro gerações de família judaica e herança do seu pai sumido. Está dada a estrutura simbólica do roteiro de McCarthy que, de início, é interessante, antes de percebermos que o engajamento romântico-anticapitalista na questão da especulação imobiliária — impulsionado pela garota que é o interesse amoroso clichê — promove uma visão tradicionalista.

Se todo trabalhador se coloca, em parte e em certo sentido, nos seus produtos, em The Cobbler, uma máquina de costura com poderes sobrenaturais inverte a questão e dá a Max a capacidade de assumir a identidade dos clientes, ao colocar os sapatos dos mesmos. Dominando essa magia, ele sai da sua lojinha no Lower East Side em busca de diversas experiências por Nova York, até se reencontrar na figura paterna, consolidando uma identidade familista. No percurso da magical dramedy, a musiquinha tema de John Debney e Nick Urata é utilizada em demasia, apenas adornando um drama edificante pouco criativo. E uma ficção dramática com a presença de vilões a serem vencidos significa, entre outras coisas, que o autor não soube “se pôr nos sapatos alheios”.

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[0] Primeiro tratamento: 08/09/2021.
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