(dramédia,
USA, 2008),
de David Fincher.
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por Cléber Eduardo
Cinética/2009
Cinética/2009
Imagens de um filme moribundo
O que é patético em The Curious Case of Benjamin Button? Não é a premissa de um menino com aparência de velho que tem o corpo rejuvenescido conforme envelhece. Nem as situações possíveis de motivar, como motivaram, as comparações e analogias com Forrest Gump [1994]. Tampouco o fato em si de um diretor de thrillers sombrios, como David Fincher, sair da aguda impotência diante da violência em Zodiac [2007], o melhor de seus filmes, e entrar em um registro de aparente investimento mais forte na imaginação, no qual o sombrio está na premissa e não em como ela é desenvolvida. Onde está, então, o patético? Está na falta de crença do filme no filme. Não se toma um material tão bizarro como o de Benjamin Button sem o desejo muito forte de expressar algo em suas imagens (e não apenas a partir delas). Para se encontrar as verdades de uma fabulação, é preciso tomá-la como o próprio mundo, porque, sem essa convicção, a força da imaginação é enfraquecida pelos artifícios de encenação. Deixamos de ver o mundo da imaginação e passamos a ver a técnica de sua construção. É o que ocorre, desde o início, em Benjamin Button. Fabulação não é soma de relatos somente. E o que David Fincher dirige, em atmosfera excessivamente falsa de imaginação assumida, é apenas um relato sobre relatos. Filma pessoas lendo ou narrando histórias, com imagens dessas histórias lidas ou narradas – muito pouco como estratégia de fabulação.
Além do narrador cinematográfico, há a memória de uma velha, a voz de sua filha lendo o diário de Benjamin, a própria memória de Benjamin, imagens de outras memórias. Sempre alguém tem algo para contar e, para o filme, essas transmissões de histórias já compõem uma fabulação. Se a narração está sempre vazando para fora de sua história central, centrando seu relato nos próprios relatos dos personagens, esse vazamento é falso porque todas as situações têm sua função (como as presenças do relógio de movimento anti-horário e do beija flor, por exemplo). Escrever, dirigir e montar não é questão de expressão em Benjamin Button, mas uma questão de obrigação, contrato e de compromisso com a clareza e com a agilidade. O filme todo é empurrado pela soma dos relatos, empurrado adiante, para frente, sem tempo pra vivenciar nada, para nos aproximar das experiências de Benjamin. As experiências, afinal, pouco importam. Só interessa a narração delas.
Em vez de Benjamin, o homem, o personagem, temos a maquiagem de Brad Pitt. Ou seja, a técnica em vez de emoções, expressões, presenças. O artifício, somente. E a maquiagem, assim como toda técnica e todo artifício, não tem vida em si. É preciso mais, bem mais. Se o percurso do protagonista tem seus momentos de liberdade, a narração do filme parte do irreversível. É um luto lacrimoso. Uma velha choraminga seu passado enquanto ouve o diário de Benjamin (lido pela filha dela com ele). Em vez de celebração, como o próprio filme prega (celebre o que tem), temos um ritual de luto. A leitura do diário é uma variação do flash com o filme sobre a vida diante da morte. Não há potência nenhuma na história de Benjamin, como sentido final, porque essa história é modelada pela imagem da morte. Essa velha é filmada como a própria imagem de quem lamenta sempre o passado porque é passado, imagem de um corpo já sem energia, já sem desejo, apenas com a dolorida memória do já vivido e da consciência do nada mais a viver.
Esse núcleo do presente não tem a menor importância no filme, a não ser como ponto de onde se articula o passado, e alguns dos constantes retornos a ele são precários em sua gratuidade. Mãe e filha diante de revelações intermediadas por um diário. Parece haver a necessidade de retornar a essa situação apenas para se evidenciar essa mediação. Não deixa de ser uma constante nos filmes do Oscar 2009, de Milk [2008] a The Reader [2008], essa estruturação por mediações internas. Um gravador, um livro, uma lembrança. Por não dar a menor importância a esse núcleo do presente, mas somente à sua mediação e aos relatos dali oriundos, Benjamin Button é um filme morto. Nem tanto porque esse núcleo é ambientado em um hospital ameaçado por um furacão, mas simplesmente porque o filme só se interessa pelo já vivido e só vê a morte no ainda não-experimentado. A morte e sua ameaça, sua irreversibilidade. Talvez não seja por acidente ou distração que suas imagens são também moribundas, sem carisma, ilustrativas, preocupadas apenas em mostrarem uma técnica de relato.
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