quinta-feira, 25 de julho de 2024

Órbita circular

The Space Between Us 
 
(dramédia,
USA, 2017),
de Peter Chelsom.
 


= = =
por Luís Miguel Oliveira

O rapaz que caiu à terra

Que ninguém diga que não é uma citação inesperada: ainda nos primeiros minutos, quando se apresenta o jovem protagonista de The Space Between Us (Asa Butterfield, que foi o Hugo [2011] de Martin Scorsese), um miúdo nascido e criado numa base em Marte, as personagens começam a ver e a comentar Der Himmel über Berlin [1987] de Wim Wenders. Sem que se converta em nota de rodapé para cinéfilos, e sem que se refira sequer o título do filme, a história dos anjos desejosos de uma existência terrena faz figura de “projecção” da narrativa deste filme de Peter Chelsom: um garoto mantido toda a vida numa “estufa” marciana, que sonha com a Terra.

É verdade que o filme, sobretudo nesses segmentos iniciais de apresentação da situação, faz outras referências, mais previsíveis, ao universo do cinema de “fc”, dos robozinhos ao género dos de Star Wars [1977–] à inteligência artificial ao género do Hal 9000 [1968] de Kubrick, sempre em tom menor e quase irrisório.

Mas mesmo pesando toda essa atmosfera, o seu coração é o de um falso filme de ficção científica, uma espécie de glosa, para um ambiente de romantismo adolescente, do Starman [1984] de Carpenter. Um ser extra-terrestre (humano, mas objectivamente extra-terrestre) a descobrir a vida na Terra, em luta contra o seu metabolismo mais habituado às condições da estufa marciana. Ou, ainda mais simples do que isso, uma variação em torno do “filme de passagem”, com um adolescente a descobrir a vida pré-adulta.

É um filme modesto, com certeza, e até “deceptivo” na forma como ultrapassa as suas promessas iniciais de aventura de ficção científica (apesar de alguns discretos pormenores a imaginar a vida na Terra nos anos 2020 ou 2030) para revelar um coração que está bastante próximo da sensibilidade de filmes que já não existem — por exemplo, aqueles filmes de aventuras com adolescentes que se faziam nos anos 80. Mas é uma modéstia franca e desenvolta, dada sem complicações desnecessárias (nenhuma daquela aura sisuda e com pretensões a grande “metafísica” que tomou conta do cinema de “fc”), com um elenco justo (até Gary Oldman está suportável). O que resulta num filme simpático e surpreendentemente visível.

= = =
= = =

Nenhum comentário:

Postar um comentário