Mujeres al Borde de un Ataque de Nervios
(comédia,
ESP, 1988)
de Pedro Almodóvar.
por Paulo Ayres
Se hoje em dia a profissão de dublador está sendo posta em xeque, devido aos recentes avanços de programas de inteligência artificial em traduzir e reproduzir a voz humana, Mujeres al Borde de un Ataque de Nervios, no final da década de 1980, utiliza a dublagem feita por personagens como via de metalinguagem. O filme coloca Pedro Almodóvar como cineasta reconhecido internacionalmente, confirmando para plateias de vários cantos que se trata um autor de estilo bem singular. No entanto, isso é só uma repercussão meio atrasada de alguém que já havia feito algumas obras realistas, incluindo a obra-prima ¿Qué He Hecho Yo Para Merecer Esto? (1984) — folhetim que, aliás, também é protagonizado por Carmen Maura. Mujeres al Borde de un Ataque de Nervios, portanto, é apenas um retorno ao nível de estilização do primeiro longa Pepi, Luci, Bom y Otras Chicas del Montón (1980), ou seja, é uma comédia de fato, no sentido estrito do termo. Com direito a um cenário reproduzindo de maneira bem artificial uma área externa de cobertura de prédio.
A essência de Mujeres al Borde de un Ataque de Nervios é a sobreposição. Em diversos níveis. Por isso, logo após a colagem dos créditos iniciais da sátira, sobrepondo várias imagens surge a voz de Iván (Fernando Guíllen), representando um tipo de separação feita no estúdio de dublagem. Ele está dublando em castelhano o filme estadunidense Johnny Guitar (1954) e a dublagem da cena em questão será complementada posteriormente por Pepa Marcos (Carmen Maura). Essa interação sentimental em tempos distintos é uma junção artística que acontece somente naquele plano fictício, pois ela é uma ex-amante do dublador. Dessa ruptura e tentativa de reconciliação Almodóvar cria a principal perturbação da trama, mas surgem outras pessoas visitando o apartamento de Pepa. A mulher mora sozinha, mas nesse tempo se estabelece um espaço bem teatral no sentido de local fechado, entradas e saídas, diálogos extensos... Primeiramente, aparece a amiga Candela (María Barranco) com um medo paranoico por ter se envolvido com um suposto terrorista e de estar sendo procurada pela polícia. Logo mais, aparece o casal Marisa (Rossy de Palma) e Carlos (Antonio Banderas), sendo este filho de Iván.
Do telefone vermelho com secretária eletrônica, fonte de ansiedade, ao vermelho de um jarro de gazpacho com sonífero, o apartamento sobrepõe um conjunto de inquietações que vão do zero ao cem e do cem ao zero... A sincronização ali ocorre de maneira desordenada, embora “hospitaleira” e, assim, de um jeito distinto daquela que foi feito pela técnica do estúdio de dublagem, que pode se dar ao luxo de selecionar cada voz separadamente. Há, na verdade, um constante movimento em Mujeres al Borde de un Ataque de Nervios que, por outro lado, transmite a sensação de descompasso, desencontros, e, por isso, a sincronia “natural” indica a simultaneidade de ações, buscando ajustes, mas nunca esgotando alguma dose de desarmonia dos convívios. Tanto é assim que a comédia criminal de Almodóvar faz um uso espirituoso dos clichês de perseguição com veículos e até do desfecho de personagens com pressa em direção ao aeroporto. Nesse sentido, um táxi com decoração brega e tocando mambo funciona como síntese móvel da estilo almodovariano, o adjetivo se afirmando. O diretor espanhol, então, mais do que uma expressão do movimento cultural da Movida madrilenha, é um herdeiro que reorganiza essa e outras influências. Não se pode falar que é somente pastiche, colagem e similares, é um estilo referencial bem delineado para um cinema humanista e, nesse caso, uma sátira realista. E, no decorrer da carreira, até mesmo o próprio Mujeres al Borde de un Ataque de Nervios se torna material de referência na filmografia de Almodóvar em Los Abrazos Rotos (2009): “Chicas y Maletas” é um filme dentro de filme que faz uma clara versão da comédia de 1988, inclusive tendo a sopa fria de hortaliças — até porque, para muita gente que não vive na cultura da península ibérica, gaspacho está bastante associado com Almodóvar e este filme em particular.
No televisor diegético em Mujeres al Borde de un Ataque de Nervios, Pepa até se vê num comercial de TV sobre o sabão “Ecce Omo”. É uma satirização de publicidade que permite até estender a temática da mystery comedy para esse deboche televisivo. As consequências mais drásticas acontecem de fato apenas na ficção dentro da ficção, fora dali elas ficam pelo caminho em intencionalidades frustradas. O filme ironiza tanto a meta de conciliação monogâmica como a meta de vingança fatal. Além de Pepa, há duas outras mulheres com vínculos com Iván que Almodóvar põe como elos dessa cadeia: Lucia (Julieta Serrano), mãe de Carlos e recém saída de um hospital psiquiátrico, e Paulina Morales (Kiti Mánver), uma advogada feminista e a atual “namorada” do sujeito. Se essa última, com pouco tempo de tela, tem o destino indefinido no enredo, o crescimento de Pepa é o processo de superação do apego afetivo. De certa forma, significa não se incomodar com a canção “Soy Infeliz” de Lola Beltrán.
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Lista de historical comedy no subgênero crime fiction:
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