quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Taxa de rejeição

The Goonies
 
 (comédia,
 USA, 1985),
de Richard Donner.



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por Érico Fuks

“Os Goonies são rejeitados”. Essa frase, proferida no meio do filme por um dos integrantes da trupe mirim, diz muita coisa sobre o ponto de vista do diretor em relação aos heróis da aventura. Nessa espécie de autocrítica, eles reconhecem suas limitações, muito embora não se sintam afetados por elas durante a trama. Até o nome do grupo, que tem sua origem omitida no filme, quer dizer algo como “nerdzinhos”. Um deles troca as palavras, sofre de asma e usa aparelhos nos dentes. O outro fala demais. O outro é obeso. Tem até um chinezinho, uma espécie de Professor Pardal frustrado, que anda com qualquer tipo de bugiganga para enfrentar possíveis inimigos, mas todos os apetrechos falham na hora H. Esse anti-James Bond talvez seja uma maneira velada de se mostrar ressentidamente que os avanços tecnológicos do extremo leste do planeta não foram capazes de superar o domínio dos Estados Unidos no setor, e que o máximo que os sino-americanos conseguem produzir são artefatos genéricos de segunda linha.

Mas o filme inverte esses valores no melhor estilo do unidos venceremos. Apesar de que uma andorinha só não faz verão, fica muito claro que, em equipe, a galerinha consegue superar os obstáculos. Neste grupo, aqueles que convencionalmente teriam o perfil de heróis (o irmão mais velho que faz ginástica em casa e a loirinha que está a fim dele) não passam de figurantes. Quem reina absoluto é o lado mais fraco e mais bizarro da sociedade. Mesmo a trilha sonora, cuja música-tema é composta e interpretada pela cantora pop Cindy Lauper, reforça esse conceito. Na época, ela era o patinho feio de um reino dominado pelas Madonnas da vida. Esse é o ponto de reflexão para a maioria norte-americana que, acostumada a ver nas telas super-homens salvando a humanidade, aqui entra em contato com a parcela da população que ela ao mesmo tempo aceita e rejeita. Claro que uma certa dose de carisma e humor ajudam a resolver esse dilema. Mesmo com todos os complexos de excesso de peso que os norte-americanos carregam, não dá pra deixar de gostar do gordinho. Principalmente em relação à sua sinceridade na cena do liquidificador e à sua demonstração de afeto na cena em que fica trancafiado com o “monstro” da história, um irmão que os vilões escondem, uma mistura de Frankenstein com Homem-Elefante. É o momento em que rejeitado encontra rejeitado. Nessa hora o hábito compulsivo de comer cede lugar ao ato solidário de dividir. Ou seja, não importa o que você faz da sua vida, desde que tenha uma alma repleta de boas intenções. E este “monstro” é o resumo extremo dessa moral da história de The Goonies: apesar da cara de mau, existe por dentro um bom coração.

Outro elemento que reforça essa dicotomia entre essência e aparência é a caracterização dos vilões da trama. Eles são feios, têm sangue de barata e lembram assassinos profissionais. São os piratas modernos. Estão em busca do dinheiro. Não se sabe exatamente para qual finalidade. Por isso são vilões. O filme deixa claro que se apoderar de bens alheios por necessidade é justificável, por cobiça não.

The Goonies não indica qual rumo vai tomar. Começa num ambiente familiar, com os garotos procurando uma maneira de não deixar a casa de um deles ser hipotecada. Eles descobrem por acaso uma série de velharias no sótão e, lá no meio, um mapa do tesouro. A partir daí, entra o elemento-surpresa. Acham uma casa abandonada, escondem-se nela e, a partir daí, um novo filme Indiana Jones se inicia. Tem-se a impressão de que os protagonistas são mais vítimas do acaso do que agentes modificadores dele. Não há, no começo, uma intenção de se achar o tesouro. Nem de entrar na casa. Tudo é uma descoberta, o grupo é mais ou menos “empurrado” pelas circunstâncias a tomar esta ou aquela atitude. Não é à toa que aparece uma correnteza de água, metáfora para a sorte e o destino. Assim como num jogo, só que sem regras definidas. A única regra é que, acima de agradar ao espelho, você deve agradar aos outros. Que vença o melhor.

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