É notável que uma significativa parte das comédias norte-americanas atuais andem discutindo de maneira sistemática o tema do casamento. Encontramos uma vasta senda que vai dos trabalhos mais recentes dos Farrely até filmes mais inconstantes como Forces of Nature [1999] ou Wedding Crashers [2005]. O que talvez haja de mais específico na ótica destas obras é que o confronto que impede o casamento vêm perdendo seus contornos exteriores e se tornando cada vez mais uma questão do homem para consigo mesmo: “Por que casar?” ou “É com ela que quero mesmo me casar?” são indagações comuns, normalmente engatilhadas por um fenômeno abrupto, inesperado, um encontro com uma outra mulher ou uma traição que aponta contra uma certeza absoluta do destino anterior. O amor e o casamento não são postos em xeque enquanto entidades morais ou institucionalizadas; o são enquanto escolhas voluntárias, abnegações que valem (ou não) a pena. Não só um desafio do homem contra o mundo, mas, sobretudo, do homem contra si mesmo.
Ao filmar The Hangover [2009], Todd Phillips já havia criado uma maneira de juntar os cacoetes do gênero a um leque de aspectos temáticos que lhe interessara anteriormente em Road Trip [2000], Old School [2003] e School for Scoundrels [2006]. Elementos do gênero como o embate entre destino e acaso, o humor nonsense e grosseiro, a libertinagem alcoólica e sexual, as figuras que variam do nerd mauricinho ao garanhão festeiro e o estranhão grotesco, obsessivo e excêntrico, serviam menos para se refletir sobre “o verdadeiro amor”, e mais para pensar algo que o diretor esmiuçou praticamente durante toda a sua carreira: a jornada empreendida para corrigir aquilo que o homem e seu lado lupino, festeiro, insano e sem-memória periga destruir. Pois, de fato, no universo de Todd Phillips, o amor e o casamento nunca são postos em xeque. São tratados com uma certa reverência, como o que há de mais digno a se dedicar e erigir.
Nada serviria melhor à premissa do que realizar um filme sobre uma ressaca amnésica durante a despedida de solteiro. Este momento de absoluto desprendimento que precede o casamento irá ameaçar a estrutura do evento, e os personagens devem correr contra o tempo para consertar as coisas. Mas a vontade inicial de consumar o evento cristão nunca será abalada. O que é posto em xeque, em realidade, é a capacidade do homem, despirocado, de levá-lo a cabo, de realizá-lo quando seus instintos lhe direcionam somente para a destruição. Resumidamente, trata-se mais de uma viagem do homem para consertar as coisas e redimir-se do que para questionar o quão verdadeiro é seu amor. Mas isto já havia sido rigorosamente armado no primeiro filme da série. Em realidade, o sequel repete ipsis litteris exatamente os mesmos mecanismos narrativos sob o slogan “agora em Bangkok!”.
Todavia, a estratégia utilizada por Todd Phillips permite esta espécie de repeteco: se os eventos do filme são resultados de uma causa esquecida do dia anterior, isto dá abertura para que haja inúmeros acontecimentos absurdos (como, por exemplo, acordar com um macaco e um bandido chinês no apartamento). The Hangover II não renova inteiramente a base do primeiro episódio, porém cria um arcabouço de situações inéditas que, no fundo, é o que há de realmente interessante. E realiza algumas pequenas mudanças que pouco alteram a ideia maior da trama. Alan (Zack Galifianakis) se torna ainda mais uma espécie de “origem do mal”; e, para contrapor sua genialidade degradativa, Teddy (Mason Lee), filho prodígio do sogro, é introduzido na matilha; este sogro não é mais o pai compreensivo que empresta o carro ao noivo, mas um tradicionalista que desgosta do pretendente da filha, uma variação do tipo De Niro de Meet the Parents [2000]; em vez da excitante terra de perdição que era a Las Vegas do primeiro episódio, agora são as ruelas perigosas de Bangkok que, como diz um dos personagens a certa altura, carrega embora as pessoas.
Apesar de todo interesse que as novas peripécias suscitam, The Hangover II opera em um limiar tênue entre um repeteco que só se justificaria por um film comission asiático, e uma tentativa de armar um discurso ético-artístico mais profundo. Sob esta segunda ótica, o que temos à mão não é um objeto realmente “engraçado”. Os trabalhos de Phillips elevam o humor imoral e pastelão tão típico das comédias atuais ao nível mais absurdo possível, pondo em risco a própria graça dos eventos quando eles beiram a catástrofe. Basta observar que não são as loucuras da despedida de solteiro que acompanhamos, mas o dia seguinte, o absurdo de suas remanescências em uma balbúrdia desesperadora. E o que fazer com todas estas situações absurdas se esta espécie de humor periga a destruição? Rigorosamente falando, nada. Esquecer seus aspectos vergonhosos, alegrar-se ainda que tudo tenha sido esquecido, aceitar este seu lado humano sem limites, irrisório e grotesco, e consertar o que precisar ser consertado. Trata-se de “enfrentar Bangkok e vencer”, transitar em um âmbito onde a comédia não pode destruir o casamento. Assim, The Hangover II afirma-se novamente como uma reconciliação, uma grande reparação do mundo, que o homem naturalmente sempre põe a perder. E, apesar das feridas, tatuagens e cortes de cabelo, nada, absolutamente nada, é inteiramente irreversível.
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