segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Grosso modo

Bad Santa

(comédia,
USA, 2003),
de Terry Zwigoff.
 

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por Filipe Furtado
Contracampo/2003

Terry Zwigoff, nesta sua segundo incursão no filme de ficção (após o bastante interessante, mas desequilibrado, Ghost World [2001]), se propõe a filmar um Papai Noel que bebe, trepa, fala palavrão, etc. Ou seja, estamos diante de um ícone do imaginário popular colocado na posição de fazer tudo aquilo que não se associa ele. A felicidade de Zwigoff em Bad Santa foi justamente, ao observar o material que tinha em mãos, optar em ir direto ao que há de mais básico e primário nele. O filme funciona em duas frentes: de um lado reconhece as possibilidades de jogar com a iconografia, de outro mergulha da forma mais grosseira possível no material. Quando consegue juntar estas abordagens, o filme de Zwigoff funciona muito bem.

Aqui e ali há sinais de produção independente “esperta” (os irmãos Coen são produtores executivos), mas Zwigoff segura o filme justamente pelo tom maníaco e sem vergonha que impõe. Estamos diante de uma genuína comédia lowbrow mais para a grossura dos derivados mais pobres dos irmãos Farrelly (apesar de um domínio por trás das câmeras que estes subprodutos não costumam ter) do que para os jogos de gêneros dos Coen (e dado o material isto é certamente um alívio). Bad Santa parece nunca temer o excesso, seja a das caricaturas seja das piadas de mau gosto. Muito disso funciona graças ao elenco, em especial um inspiradíssimo Billy Bob Thorton — que agarra com gosto a oportunidade de interpretar seu Papai Noel grosseiro.

Mais interessante ainda é como o filme expande a ideia de jogar com iconografia para pensar muito bem em como as suas imagens se relacionam com o espectador. A começar pela opção de construir o filme a partir de uma estrutura bem quadrada de “conto de Natal”. De certa forma, as melhores sequências do filme são justamente aquelas protagonizadas pelo garoto que o Papai Noel de Thornton se torna amigo. A escolha da criança é perfeita, Zwigoff nos entrega um moleque que consegue se confundir de tal forma com a sua personagem que termina por criar um certo mal estar: o que vemos na tela parece ser mesmo um garoto retardado — o que tem o efeito de tornar as cenas dele ao mesmo tempo mais engraçadas e mais perturbadoras. Zwigoff parece sempre interessado em garantir que seu espectador não se sinta superior ao material, em puxar o tapete dele. Bad Santa pode rir das histórias de Natal, mas também o faz daqueles que se acham acima delas.

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