Ainda Orangotangos
(dramédia,
BRA, 2007),
de Gustavo Spolidoro.
por Paulo Ayres
Arte degradante impressiona, mas decepciona. O que dizer, então, de um projeto ambicioso que realiza um longa-metragem em um único plano-sequência se deslocando por vários lugares de uma cidade grande? Pois bem, é preciso fazer, como outros críticos já fizeram, uma primeira aproximação com Ainda Orangotangos separando a audácia do projeto do resultado como produto. Por essa consideração inicial, já dá para notar que essa dramédia de Gustavo Spolidoro sucumbe na sua pretensão artística e, por mais que seja uma obra em constante deslocamento, se paralisa enquanto reflexo estético com a lente do naturalismo.
Porto Alegre é, praticamente, a grande personagem da obra. Um painel urbano se forma ao criar uma ficção criminal como se fosse uma colagem de vários curtas em sequência. Do título pichado num muro, e visto no percurso de trem de dia, até uma calçada onde há um “assalto” artístico de noite, o drama naturalista quer imprimir seu discurso de maneira enérgica. Tanto empenho da equipe de Spolidoro, nesse sentido, não esconde a apatia social em cada esquina, onde, até mesmo o final apoteótico significa certa passividade. Na superfície, pode parecer uma manobra ativa e humanista do professor de canto, contestando um ambiente patriarcal — festa de debutante numa comunidade evangélica —, todavia, os movimentos se dão como espasmos, uma valsa de trombadas com uma afetividade furiosa de coloração biótica. As proles mais novas estão reduzidas a isso: um cabaço aqui, um olhar de punheteiro ali ou, ainda, a criança com mais destaque (participa de mais de um “curta”), o menino colorado que lê com dificuldade e está preso no estigma da droga.
Há um intervalo nesse objetivismo sem cortes, uma encenação de pesadelo, mas até esse momento de intensa subjetividade revela um peso orgânico e corporal. Nessa mesma toada, está a cena do casal hétero que bebe perfume no apartamento ao lado. Um quê de olhar clínico e policial faz de um encontro íntimo e alegre uma performance arrastada... literalmente no desfecho mórbido. Ainda Orangotangos mapeia a cidade com uma câmera ágil, mas distanciada. Quer a estranheza en passant, hipertrofiando o cotidiano como uma amostra irreal de espetáculos conectados, ora com a mera simbologia — o japonês desesperado porque a moça não acorda no trem e ninguém por ali dá a mínima, um Papai Noel bêbado no ônibus... —, ora com a mera exaltação regional — uma trilha de rock gaúcho, a tagarelice comentando a cultura local, inclusive teorizando sobre o termo “tri” no diálogo do casal de mulheres... Spolidoro caminha, obviamente, de forma bem marcada e ensaiada, mas transmite uma sensação de que está perambulando para preencher tempo. Uma dramédia de mistério que desperta mais o interesse em saber como foi feita a filmagem apaixonante de um conteúdo apático.
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Lista de historical dramedy no subgênero crime fiction:
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