por Paulo Ayres
Não se pode negar que os recentes programas de inteligência artificial apresentam resultados impressionantes. No entanto, em meio à nova etapa de revolução industrial, a capacidade desses programas de manipular e gerar arte em variadas combinações é algo que fica entre o assombro e o ridículo. Quando a inteligência artificial cria imagens e vídeos num padrão de composição fotográfica, por mais que seja impressionante sua flexibilidade criativa, tem um quê de artificialidade que compromete o resultado final. Ainda que alguém possa dizer que a tendência é melhorar isso, o que vemos atualmente é uma reconstrução artística “borrachuda”, “plastificada”, isto é, que carrega o estigma da falsidade e da manipulação posterior. Pois bem, lá no ano de 2012, um drama brasileiro apresentou características estéticas parecidas, mesmo sendo feito em filmagem, mesmo sendo constituído de imagens reais em sua quase totalidade. 2 Coelhos é um filme presunçoso, um exercício de roteiro espertinho com narração de um mastermind e um liquidificador de alterações da imagem.
A lumpen dramedy de Afonso Poyart parece mais um modelo de preenchimento cujo comando foi digitado para obter as opções mais diretas e eficientes. Por mais que deva ter sido lapidado em vários tratamentos do texto, o resultado na tela parece um esboço ao ser encenado em abordagem dramediesca. É a velha questão da escolha de gênero, aliás, que explica, primeiramente, a cadeia de decisões equivocadas da obra. O segundo ponto é o caráter genérico que essa composição imagética cria: um Brasil que não parece Brasil; uma São Paulo que pode se adaptar para outro lugar e tempo, só fazendo os ajustes necessários. 2 Coelhos até fala um pouco de favela, mas de uma maneira tão artificial que pode trocar esse dado por uma periferia genérica e estrangeira. Com isso, o desejo de fazer uma sequência cool com bordão memorável, como a do Zé Pequeno de Cidade de Deus (2002), fica pelo caminho e, assim, o “quem é Maicon nessa porra?” se perde no frenético vaivém narrativo. Tudo se dilui, as impressões não são fortes o suficiente para serem registradas.
Uma coisa é brincar com as imagens, os estereótipos e as referências numa sátira, outra diferente é num drama. Kill Bill: Volume I (2003), por exemplo, funciona super bem ao optar pela encenação folhetinesca, construção propícia para lotar seu enredo de idas e vindas, texturas, linguagens distintas, apresentações, uma animação... Em 2 Coelhos, por ser uma dramédia criminal, a brincadeira audiovisual amplifica a dissolução romântica da seriedade. Há um mundo de quebra-cabeça desabando e só permanece de pé a linha mais egocêntrica e piegas. Debaixo de tanto filtro, aliás, nem parece que a Alessandra Negrini está fazendo um papel interessante de devassa. A maquiagem de Poyart disfarça um par de contradições com uma só camada de efeitos.
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Lista de historical dramedy no subgênero crime fiction:= = =
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