segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Legenda descritiva

   The Secret Life of Walter Mitty

(folhetim,
USA, 2013),
de Ben Stiller.



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por Marcelo Hessel
Omelete/2014

A jornada de autodescoberta enquanto Power Point motivacional 
 
“Coisas belas não precisam pedir atenção”, ensina o fotógrafo de vida selvagem vivido por Sean Penn em The Secret Life of Walter Mitty. Embora tenha dirigido a cena e atuado nela, Ben Stiller não parece ter assimilado a lição, porque seu remake de The Secret Life of Walter Mitty [1947] está cheio de floreios para embelezar o que já é belo.

Stiller vive Walter Mitty, funcionário da revista Life encarregado de revelar negativos. Por anos, Walter recebeu e tratou os rolos do fotógrafo Sean O'Connell (Penn), que viaja o mundo atrás de maravilhas, e por isso talvez o protagonista sonhe acordado com grandes aventuras, mas seja incapaz de sair do lugar. Até o dia em que todos recebem a notícia de que a Life vai fechar sua versão impressa e Walter perde o negativo da fotografia de O'Connell que seria a capa da derradeira edição.

É a senha para que Walter Mitty deixe a inércia e, como o Chance de Being There [1979], influência confessa de Stiller, largue seu subemprego para descobrir o mundo, intercalando câmera lenta e correria, porque as típicas jornadas de autodescoberta do cinema indie — cujos chavões Stiller reproduz aqui — obrigatoriamente envolvem canções catárticas em slow-motion (Arcade Fire, David Bowie...) e muito suor (desde Forrest Gump [1994], é imperioso dar pelo menos um tiro de 100 metros por filme para aprender mais sobre si mesmo, como bem sabem os personagens corredores de Alexander Payne).

À mão pesada nessas cenas some-se a discutível decisão de emular a diagramação de uma revista e inserir frases nos cenários — como se as paisagens que Walter visita mundo afora fossem de fato fotografias pedindo legendas. A intenção pode parecer boa no papel, mas na prática deixa o filme parecido com aqueles Power Points motivacionais que todo fim de ano as pessoas recebem por email — mensagens escritas, neste caso, pelo mesmo roteirista de clássicos modernos da palestra motivacional, como The Weather Man [2005] e The Pursuit of Happyness [2006], Steve Conrad.

Para um filme que prega a beleza sem afetação, a necessidade de Stiller intervir em tudo com seus efeitos de velocidade e texto realmente incomoda — sem falar nas inserções de merchandising: de fato The Secret Life of Walter Mitty parece uma revista, não só ricamente photoshopada como também cheia de anúncios.

Em cenas que fazem piada com filmes específicos, como Benjamin Button [2008], é possível rever o Stiller que demonstrou ter um senso preciso de ironia em Tropic Thunder [2008], seu filme anterior por trás das câmeras. É uma pena, portanto, que ele não tenha tido a sensibilidade de perceber que The Secret Life of Walter Mitty, com seus lugares-comuns reciclados dos filmes edificantes, no fundo daria um ótimo trailer-paródia dentro de Tropic Thunder.

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