quarta-feira, 19 de junho de 2024

Sátira motivacional

 The Terminal

(folhetim,
USA, 2004),
de Steven Spielberg.
 


por Paulo Ayres

Um estrangeiro preso num terminal de aeroporto, por um conjunto de circunstâncias burocráticas e geopolíticas, tendo que fazer daquele microcosmo um ambiente de sobrevivência urbana. The Terminal, em sua premissa, parece um material kafkiano sobre um cotidiano que salienta o aspecto coisificador da racionalidade formal e como uma vida pode ser espremida por essas circunstâncias. The Terminal, contudo, é um filme de Steven Spielberg. A estranheza vai se tornando ternura. A fronteira de desembarque, enquanto uma espécie de não-lugar, vai se tornando quase uma comunidade utópica.
 
Por mais que reconheça problemas na superfície, o cineasta mais famoso dos Estados Unidos enxerga seu país como a “terra das oportunidades”. O terminal do aeroporto internacional de Nova York, então, se torna uma amostra da América imperialista na sua capacidade de abrigar gente de vários cantos e, ao mesmo tempo, uma máquina estatal e privada de controle e fins lucrativos. Spielberg já havia proposto essa dicotomia em ET (1982) e o illegal alien aqui faz um percurso distinto, mas, ainda assim, um tipo de captura pelas autoridades. Mais ou menos como um planeta fictício, o protagonista vem de um país fictício do Leste Europeu, Krakozhia, e tem a barreira da língua de imediato para entender sua situação. Superando esse obstáculo, ao aprender inglês rapidamente, percebe-se que Victor Navorski é, independente do idioma, Tom Hanks sendo Tom Hanks. E Spielberg conduz esse herói dócil, quase infantilizado, como um vetor de pequenas conquistas para o próprio e para outros empregados com quem tem contato. Embora haja laços comunitários entre os trabalhadores de manutenção e de atendimento direto do aeroporto, predomina uma tendência apolítica nas personagens do folhetim de costumes. Tal como o golpe de estado que ocorre no país de Victor, os espelhamentos de questões mais essenciais se tornam imagens longínquas de uma tela. Curiosamente, as interações e os pequenos casos paralelos formam um processo narrativo de aumentar o foco no dilema migratório do protagonista e de destacá-lo como uma força adaptável.

Se essa adaptação que ocorre diretamente no enredo oferece pouco além da costumeira mensagem motivacional de superações individuais e isoladas, é no projeto de adaptação cinematográfica que The Terminal revela a capacidade de certos cineastas de, a partir de uma história potencialmente dramática — e baseada vagamente em fatos reais —, criar um bom espetáculo de sátira edificante. No entanto, mesmo em contornos satíricos certas construções deste roteiro soam forçadas: Frank Dixon (Stanley Tucci), o servidor implicante, realçado como vilão e Amelia Warren (Catherine Zeta-Jones), a aeromoça sempre de passagem, realçada como mocinha. Por outro lado, uma trama que trata de uma fronteira, com a câmera de Spielberg vagando pelo cenário movimentado, realça também o aspecto passageiro do protagonista e de tudo à sua volta.

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