segunda-feira, 9 de junho de 2025

Lugar nenhum

Riding in Cars with Boys 
 
(folhetim,
USA, 2001)
de Penny Marshal.
 

 
por Paulo Ayres

No vaivém de flashbacks, Riding in Cars with Boys é mais interessante como sátira sobre a gravidez na adolescência do que um panorama do fracasso parcial do american dream, espremido em condições objetivas de exploração e precariedade. A questão patriarcal está lá e a relação de Beverly Donofrio (Drew Barrymore) com os boys da sua vida — o pai, o marido, o filho e o amigo — não implica em maniqueísmo. A complexidade do folhetim histórico, todavia, se concentra no olhar crítico às tradições mofadas das relações familiares entre as gerações. As adversidades de uma sociabilidade competitiva e coisificadora, nesse sentido, aparecem mais como um efeito da vida que sai do controle. E por mais que a diretora Penny Marshal acerte em não reduzir Bev a uma mártir exemplar, por outro lado, é difícil não evitar um tom triunfante de feminismo liberal.

As circunstâncias da vida fizeram Bev viver num bairro proletário, mas ela está sempre lembrando que é uma estranha naquele ninho, que tem potencial de ter um diploma universitário e levar uma vida pequeno-burguesa. Aquela periferia se torna uma espécie de limbo, um não-lugar, pois o olhar da protagonista é o olhar narrativo do folhetim. Mais do que escrever um livro autobiográfico, o ponto de superação para a trama é cair fora dali, voltar ao nível de vida do suburb comparativamente mais abastado. E se Bev recebe uma autocrítica certeira como a mãe controladora que se tornou, a sátira edificante só termina quando há a reconciliação com seu filho e seu pai (James Woods). É a ideologia da “razão comunicativa” de Magnolia (1999), embora de maneira mais comedida.
 
Riding in Cars with Boys, como ficção de costumes que é, apresenta as ações do tempo, não só nas pessoas, mas também no espaço urbano dos Estados Unidos entre as décadas de 1960 e 1980. O clímax, com efeito, quando Bev e Jason (o filho) visitam o trailer do ex-marido (Steve Zahn), intensifica a sensação de lugares e, também, gente, de categorias diferentes. Por mais que Ray seja um cara legal no filme, a sua assinatura soa como humilhação aos que não se esforçaram o suficiente atrás do ouro. O apartheid informal, que nasce da dinâmica em nível amplo, não é sentido nas raízes estruturais, mas como uma falta de “sorte” e/ou de “força de vontade” num entrecruzamento superficial e intersubjetivo de decisões equivocadas e carente de consenso.

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[0] Primeiro tratamento: 03/04/2021.
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