domingo, 18 de maio de 2025

Salto de qualidade

Billy Elliot

(dramédia,
UK, 2000)
de Stephen Daldry.


por Paulo Ayres
 
A contraditoriedade processual da história está bem espelhada em Billy Elliot. Isso não quer dizer que o diretor Stephen Daldry conduza uma obra que alcança a superação estética em seu conteúdo, mas é um enredo que trata do entrelaçamento de relações sociais em níveis distintos de avanços e recuos. Indo direto ao ponto, é um drama edificante sobre uma superação individual no âmbito profissional. Na dialética narrativa entre a trama principal e o pano de fundo histórico, o filme pende para um holofote paralisante sobre o menino de onze anos (Jamie Bell) que se torna um grande bailarino com o incentivo da professora Sandra Wilkinson (Julie Walters). Os mineiros, longe demais das capitais (britânicas), descem de elevador na derrota sindical. Seria uma grande sacada se fosse algo estruturado de outra maneira e uma cena desse tipo encerrasse o filme, com a rotina do pai de Billy, Jackie (Gary Lewis), sendo retomada.
 
É 1984. Billy Elliot introduz uma fina ironia quando a tropa de choque não apenas perambula por um bairro proletário, mas também se torna parte da paisagem local durante a grande greve de mineiros. Intercalando os dilemas próprios do garoto pobre, um ambiente com confrontos violentíssimos de classes sociais. No caso e no plano imediato da luta de trabalhadores, a classe operária contra a classe servidora. Nas determinações sistêmicas, os servidores policiais representam a manutenção da ordem na democracia burguesa. Por isso a dramédia faz um bom contraste com a escola de balé em Londres. Espaço que preza pela elegância, disciplina e que não tolera a violência — Billy dá um soco em um garoto gentil que também está atrás de uma vaga. É uma visão da totalidade social em camadas diferentes de rendas e de comportamentos, mas essencialmente conectadas na estrutura econômica, ainda que separadas por distâncias. Entre a atividade fundante dos mineiros e a atividade artística dos dançarinos, há mais mediações do que uma simples rodovia com ônibus.
 
Apesar do contexto da cultura predominante, Billy Elliot se eleva um pouco de certa masculinidade tóxica estabelecida. O fantasma da mãe aparece numa cena noturna na cozinha e isso indica a conexão afetiva que ele tem com a falecida. Talvez simbolize uma perspectiva que consegue ir além de um ambiente rude.
 
Em certo momento da dramédia, a professora, na sala de aula de Billy Elliot, comenta que um processo gradual de milhões de anos, da época dos dinossauros, transformou certos organismos em carvão. Independente dessa informação, o operariado extrativista de mineral conhece bem esse objeto. Essa emergência ôntica da natureza tem uma temporalidade imensa e com leis próprias de transformação. Na esfera do ser social, o pequeno salto laboral do sindicato dos mineiros foi dissolvido pela legalidade específica do sistema. Os saltos literais de Billy Elliot ilustram sua passagem qualitativa. Há um grau de superação individual mesmo. No entanto, o filme se esquece do mundo capitalista e contempla, de maneira petrificada, esse salto pontual como exemplo e não como exceção.
 
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Lista de fantasy dramedy no subgênero supernatural fiction:
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