Restless
(dramédia,
USA, 2011)
de Gus Van Sant.
por Paulo Ayres
Gus Van Sant ganhou uma Palma de Ouro apresentando ao mundo um retrato chocante de um colégio niilista. Elephant (2003), drama degradante, é uma obra com um clima de pesadelo que hipnotiza, meticulosamente calculado em sua montagem circular e conteúdo torpe que escorre em camadas repetitivas de forma determinista. No entanto, como se trata de um cineasta com uma filmografia eclética ao estilo versátil de outro diretor estadunidense, Steven Soderberg, não é surpresa que entre suas obras também se encontre um drama açucarado sobre adolescentes como Restless.
Assim como o tríler criminal de 2003, Restless é uma dramédia sobrenatural cujo tema são adolescentes deslocados, meio outsiders, que têm certa obsessão com o assunto da morte à espreita. Nesse nível temático há um ponto de contato e só. De resto, é um filme que se encontra no extremo oposto, sendo uma ficção edificante tão concentrada em sua inclinação motivacional que, contraditoriamente com seu discurso, paralisa-se na sua espera fúnebre do desenvolvimento do enredo, como na pose deitada e marcado no chão. Esses dois filmes de Van Sant são unilaterais em lados distintos e possuem, mais ou menos, o mesmo nível de qualidade como reflexos estéticos.
A sinopse já serve como legenda para o cartaz fofo: Enoch Brae (Henry Hopper) é um adolescente que perdeu os pais num acidente de automóvel e ficou um tempo em coma. Vive isolado e adora frequentar velórios de desconhecidos. Em uma dessas cerimônias conhece Annabel Cotton (Mia Wasikowska), uma jovem com um tumor cerebral, com expectativa de vida de três meses, mas que, apesar disso, apresenta uma gana enorme de viver e vai contagiar o rapaz. Aparentemente está aí um contraste interessante para ser trabalhado, mas a ficção fantasiosa não se aprofunda. Permanece em uma dimensão superficial de namorinho de portão. Eles se juntam, filosofam um pouco aqui e ali, não há atritos e caminham para o desfecho esperado referente ao câncer terminal. Annie é uma historiadora natural — observa, coleta e desenha espécies do ser orgânico —, representa, de certa forma, uma visão abrangente sobre a esfera ôntica da vida, de modo que trata sua própria vida individual com certo distanciamento maduro, sem perder a ternura, digamos assim. Enoch aparenta ter uma postura existencialista, sem os pés no chão, e acha um apoio de vida na jovem fã de Charles Darwin. Contudo, Restless é um filme sobre fantasma. Enoch enxerga um piloto kamikaze que morreu há décadas; o japonês está encaixado de maneira tão mecânica na trama que não serve nem como Mr. Miyagi deste jovem. Além disso, o tema da biologia evolutiva e o tema da assombração se misturam como água e gasolina — em outros contextos, o recurso ao sobrenatural pode ser usado para fazer metáforas pertinentes sobre a sociedade.
Seja no luto ultrarromântico de Hereditary (2018), de Ari Aster, ou no luto romântico de Restless, não se encontra uma boa representação metafórica sobre o processo cultural e psíquico de perda afetiva referente à morte. Ainda assim, no filme de Van Sant, além de alguma virtude técnica em certas passagens, há também uma moderação que evita exageros emotivos e sensacionalismo. A guria morre e só basta um plano com um sorriso de Enoch no velório, que já indica um discurso cinematográfico dele, ali na frente, absorvendo o legado que ela procurou passar para ele durante o breve namoro.
= = =
Lista de fantasy dramedy no subgênero supernatural fiction:
= = =
Nenhum comentário:
Postar um comentário