por Paulo Ayres
O roteiro utiliza outra peça teatral de Ariano Suassuna com inspiração complementar: A Farsa da Boa Preguiça (1960). Chicó vive como um guia de turismo religioso, falando sobre a morte e a ressurreição de João Grilo para os visitantes. Há a volta desse último, que viveu um tempo no Rio de Janeiro, capital federal, tendo o malandro Antônio do Amor (Luís Miranda) como parceiro de trabalho e trambique. Nesse ponto surge uma das dualidades apresentadas, pois Chicó se vê, momentaneamente, deslocado na amizade — que é o tema principal, com “Canção da América”, de Milton Nascimento, na versão de João Gomes. O carioca, mestre dos disfarces, colabora e depois vai embora. Movimento parecido com o de Clarabela (Fabiula Nascimento), realçada como uma atriz de engajamento idealista. Ela e Chicó têm algo que não se desenvolve, ficando como uma relação casual. Rosinha (Virginia Cavendish) retorna como caminhoneira e o amor inabalável se refaz. É essa postura binária de Chicó que está em sintonia com o que predomina no filme.
Mesmo se regenerando mais uma vez num julgamento no mundo dos mortos, o movimento de João Grilo é diferente diante das polarizações que encontra. Ele costura, como um agente duplo, auxílios a dois candidatos da disputa política da região. O Coronel Ernani (Humberto Martins) é um latifundiário tradicional e Arlindo (Eduardo Sterblitch) é um empresário com comércio e estação de rádio. Grilo tira alguns trocados de seus dois patrões em concorrência. Em seguida, a luta política em O Auto da Compadecida II é superada por um acordão no interior da classe capitalista.
No novo julgamento de João, ele também se vê como promotor e juiz, em papel triplo de Nachtergaele, simbolizando a contradição que está no interior dos indivíduos sociais. A compadecida, como compreensão externa, de perspectiva mais ampla, intervém como uma guia psicológica da subjetividade espelhada e em conflito. Desta vez, Nossa Senhora (Taís Araújo) é advogada e espírito motivacional com o discurso de esperança nas adversidades. Por mais que João Grilo vibre numa frequência quase indomável, a farsa física concretiza o tom de escapulida com lição de moral e fé. O malandro, de pequeno tamanho e grande raciocínio na vida cotidiana, é conduzido pela mocinha e petrificado na estátua.
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